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D. Pedro Casaldáliga: a testemunha fiel |
Ribeirão Cascalheira
Era a tarde do dia 11 de outubro de 1976. Duas mulheres sertanejas, Margarida e Santana, estavam sendo torturadas na cadeia-delegacia de Ribeirão Bonito, Mato Grosso, lugar e hora de latifúndio prepotente, de peonagem semi-escrava e de brutalidade policial.
A comunidade celebrava a novena da padroeira, Nossa Senhora Aparecida. E nesse dia haviam chegado ao povoado o Bispo Pedro e o Padre João Bosco Penido Burnier, mineiro de Juiz de Fora, jesuíta, missionário entre os índios Bakairi. Os dois foram interceder pelas mulheres torturadas. Quatro policiais os esperavam no terreiro da delegacia e apenas foi possível um diálogo de minutos. Um soldado desfechou no rosto do Padre João Bosco um soco, uma coronhada e o tiro fatal.
Em sua agonia, Padre João Bosco ofereceu a vida pelo CIMI e pelo Brasil, invocou ardentemente o nome de Jesus e recebeu a unção. Foi morrer, gloriosamente mártir, no dia seguinte, festa da Mãe Aparecida, em Goiânia, coroando assim uma vida santa. Suas últimas palavras foram as do próprio Mestre: "Acabamos a nossa tarefa!"
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Painel dos mártires
Memórias, Romarias, Registros
Saulo Feitosa
Numa certa altura do caminho para Ribeirão Cascalheira, Paulo percorria a lista martiriológica do Cimi, enquanto Jósemo, zeloso para nos fazer chegar a tempo de participar da caminhada dos mártires, afundava o pé no acelerador. Em dado momento Paulo observa: não exagera Jósemo, não podemos correr o risco de ser lembrados apenas como aqueles que tentaram chegar à Romaria dos Mártires, mas não conseguiram tornar-se um deles.
Após lembrar companheiras e companheiros que tiveram suas vidas ceifadas por atos de violência intencionalmente planejados para matá-los, referiu-se a outros e outras que morreram a caminho das aldeias, como Pedro Ziles, morto em trágico acidente enquanto conduzia a moto que o próprio Paulo lhe ajudara a comprar. Também há aqueles e aquelas que morreram na aldeia ou voltando da aldeia, algumas tão jovens quanto Pedro, como Dag e Ana Maria. Somados a esses e essas há muitas outras despedidas provocadas por mortes naturais, outras formas de acidentes.
Nesses 40 anos de Cimi tivemos que aprender também a dizer adeus às pessoas queridas. Lembrá-las é trazê-las para perto, é reviver acontecimentos dos quais participaram juntamente conosco, foi assim que recordei a noite de 4 de abril do ano 2000, quando eu e Carlinhos, também vítima de acidente de moto no trajeto entre Jiparaná e a aldeia, decidimos enfrentar a fúria do Cel. Müller e seus comandados da PM baiana. Ali estávamos nós, somente nós, aqueles dois “esmilinguidos”, no centro da aldeia Coroa Vermelha, tentando demover o cel. da idéia de destruir o “monumento da resistência indígena aos 500 anos”, ainda em fase de construção. Depois de alguns bate-bocas, o cel. anuncia o ultimato: “retirem-se, estou cumprindo ordens superiores”. Enquanto nos afastávamos lentamente, escutávamos o barulho das máquinas destruidoras. Batalha inglória? Não companheiro Carlos, milhares de monumentos continuam a ser erguidos...
Muitas bandeiras, uma causa
Passados alguns meses, encontro-me eu diante da autoridade judiciária, agora na condição de testemunha de acusação do referido cel., que fez questão de assistir meu depoimento. Ao fim do interrogatório me é feita a ultima pergunta: havia alguém no local que possa comprovar o que o senhor falou? Sim, respondi, mas não poderá falar. Por quê? Indagou-me a juíza. Bem que eu poderia ter respondido com um belo refrão de toré Xukuru que Éden tanto gosta: “Bateu asas, foi embora, coisa boa não adura”. Assim como todos e todas que nos deixaram tão cedo. Brasília, julho de 2011
D. Leonardo Steiner: "Obrigado. Boa viagem!"
[fotos: Laila] |
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