O sucessor de Pedro precisa de “estruturação
teológica” e quem deve garantir essa “estruturação” é a Congregação para a
Doutrina da Fé, segundo entrevista dada ao jornal La Croix, pelo Cardeal
Gerhard Ludwig Müller, prefeito da referida Congregação.
A reportagem é de Gianni Valente, publicada
por Vatican Insider, 21-04-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa e
reproduzido no site da IHU, 22.04.2015.
O Pe. Benoît-Dominique de Toulouse responde
as perguntas de Gianni Valente. Eis algumas perguntas e respostas da
entrevista.
Fornecer
uma “estrutura teológica” ao pontificado está entre as tarefas da Congregação
para a Doutrina da Fé?
Antes de tudo, devemos esclarecer as palavras
aqui empregadas. A Congregação na qual o Cardeal Müller desempenha o papel de
prefeito é a Congregação De doctrina fidei. Segundo o Artigo 48 da Constituição
Apostólica Pastor Bonus, de 26 de junho de 1988, é seu dever “promover e
tutelar a doutrina sobre a fé e os costumes em todo o mundo católico”. [...]
As
palavras do Cardeal Müller fazem parecer que, se um pontífice não for um
“teólogo de profissão”, então o seu pontificado poderá precisar da tutela de
uma classe de teólogos que trabalhem na Congregação para a Doutrina da Fé. O
senhor considera plausível esta forma de definir a relação entre o magistério
pontifício e a Congregação para a Doutrina da Fé?
Ainda
faz sentido estabelecer uma distinção dialética implícita entre papas
“teólogos” e papas “pastores”?
A distinção entre “teologia” (ou doutrina
também) e “acompanhamento pastoral” é uma distinção apenas, o que não quer
dizer que sejam duas coisas separadas. O acompanhamento pastoral é a doutrina
posta em prática. Todas as partes da doutrina têm uma finalidade pastoral.
Todos os papas são tanto doutores da fé quanto pastores da Igreja. Uma relação
“dialética”, no sentido de uma dialética do tipo hegeliano de oposição, não faz
nenhum sentido.
Em
tese, pode o ministério do Sucessor de Pedro ser considerado teologicamente
“carente”, necessitando de uma certa “estruturação teológica” por pessoas
outras que não o Papa?
Com certeza, não! O Papa tem tudo o que é
preciso para enunciar a fé da Igreja. A Congregação De doctrina fidei ajuda-o
nas fases de preparação e implementação, mas a “crux” consiste em enunciar a fé
da Igreja, e isso é exatamente o ministério pessoal e próprio do Papa. Por “estruturar”,
o Cardeal Müller pode ter desejado dizer este trabalho, sobretudo o
preparatório.
Na
estrutura apostólica da Igreja, que se acredita estar de acordo com a vontade
do próprio Deus, quem é o guardião do depositum fidei? Será o Papa com os bispos,
ou a Cúria Romana com suas Congregações e órgãos, incluindo o dicastério
doutrinal?
Desestruturado. Eu? Nem pensar |
[O guardião] é o próprio Papa. A Cúria Romana
tem um papel meramente instrumental e vicário: ela não existe nem opera por si
mesma, mas dentro de sua própria dependência essencial do pontífice. Quando a
Sé de Pedro está vacante, suspende-se todo o trabalho das Congregações (exceto
as tarefas rotineiras).
Será
que, de alguma forma, as Congregações vaticanas ou os colaboradores do Papa
participam do carisma da infalibilidade que este último, em certos casos, possui?
A infalibilidade é um carisma estritamente
pessoal que o Papa tem; as Congregações não a compartilham. As decisões tomadas
pelas Congregações in forma communi (não de forma específica) são decisões
tomadas pelas Congregações em suas funções como instrumentos vicários do Papa;
a autoridade delas é real, mas não carregam a autoridade pessoal do Papa no
mesmo nível das decisões aprovadas por ele de forma específica.
Certas
expressões e lemas do linguajar jornalístico afirmam que, nos anos em que
Wojtyla era o Papa, havia uma espécie de “diarquia”, com o Papa João Paulo II
quase compartilhando o seu ministério com Joseph Ratzinger, ao confiar a este a
gestão da doutrina. Seria esta uma interpretação legítima da realidade da época
ou seria uma intepretação equivocada do ponto de vista da natureza e estrutura
da Igreja Católica?
Do ponto de vista da natureza dogmática da
Igreja, esta interpretação não é legítima. O ofício papal é estritamente
pessoal. Isso não significa que um Papa não possa ser, particularmente, próximo
ao prefeito de uma Congregação e, no caso específico, do prefeito da
Congregação para a Doutrina da Fé, como foi o caso com João Paulo II e o
Cardeal Ratzinger. Mas não há dúvidas de que, dogmaticamente, a
responsabilidade doutrinal reside no Papa, na base de seu carisma pessoal.
Excelente entrevista, realmente esclarecedora, para dirimir qualquer dúvida sobre as atribuições e competências do prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, restritas às funções que lhes são próprias - ficando patenteada a autoridade Papal, que não pressupõe qualquer questionamento ou contestação. Depreende-se, pelo exposto, que extrapolar esse entendimento resulta indevido e inadequado.
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