Os
“novos” bispos de Francisco no Brasil: mudar para que as coisas continuem as
mesmas
Analisando
as 41 nomeações episcopais para o Brasil, podem significar "a continuidade
do “espírito wojtyliano-ratzingeriano”: pouca preocupação pastoral-missionária
de uma “Igreja acidentada” e mais a preocupação com as dimensões
administrativa, disciplinar e moral típicas de uma “Igreja autorreferencial”,
constata Sérgio Ricardo Coutinho, professor de História da Igreja no Instituto
São Boaventura de Brasília e de “Serviço Social, Religião e Movimentos Sociais”
no curso de Serviço Social do Centro Universitário IESB de Brasília.
Segundo
ele, "se tomarmos as indicações do Papa Francisco aos bispos do CELAM,
durante encontro realizado no último dia da Jornada Mundial da Juventude de
2013, parece que, com estas nomeações-remoções, o lugar do Bispo continua o
mesmo de sempre: “à frente”, com sua “psicologia de príncipe” e fortalecendo o
fenômeno do “bispo-polígamo” (termo usado pelo Papa Francisco), ou seja,
vivendo na expectativa de ser esposo de “outra Igreja”. Sem dúvida que já
existem alguns destes que se colocaram ou que querem se colocar “no meio” do
seu povo “para mantê-lo unido e neutralizar as debandadas”, mas levará ainda
algum tempo para que se coloquem também, e fundamentalmente, “atrás” “porque o
próprio rebanho tem seu faro para encontrar novos caminhos”.
Eis
o artigo.
Sérgio Cardoso Coutinho
na
IHU (19.02.2015)
No
momento em que o Papa Francisco realiza um novo Consistório com a nomeação de
16 novos cardeais com direito a voto e que procura mudar e universalizar
radicalmente a configuração da geopolítica eclesiástica da Cúria Romana, talvez
já seria o momento de verificarmos qual é o rosto dos novos bispos nomeados, e
também a configuração geopolítica eclesiástica, da Igreja no Brasil nestes
quase dois anos de pontificado.
Desde
maio de 2013, até o mês de janeiro deste ano, Papa Francisco fez 41 novas
nomeações episcopais para o Brasil, sendo que 85% delas (36) foram de remoções
(seja de uma diocese para outra, seja da condição de bispo-auxiliar ou prelado
nullius para a condição de [arce]bispo titular da diocese).
Dos
17 novos bispos ordenados, 9 foram nomeados para as grandes Arquidioceses do
Brasil na condição de bispos-auxiliares, atendendo, assim, aos pedidos dos
arcebispos de São Paulo, Salvador, Olinda e Recife, Belém do Pará, Brasília e
Goiânia. Só para a Arquidiocese de São Paulo foram nomeados 4 novos bispos-auxiliares,
revelando bem a influência do cardeal D. Odilo Scherer.
Os
36 remanejados, em sua grande maioria, foram feitos bispos por Bento XVI
durante o período de D. Lourenzo Baldissieri como Núncio Apostólico, e agora
cardeal e secretário-geral do Sínodo dos Bispos. Talvez esteja aqui um sinal da
velha e boa estratégia do mote: “plus ça change, plus c’est la même chose”
(“mais que se mude, mais as coisas continuam as mesmas”). Isto pode significar
a continuidade do “espírito wojtyliano-ratzingeriano”: pouca preocupação
pastoral-missionária de uma “Igreja acidentada” e mais a preocupação com as
dimensões administrativa, disciplinar e moral típicas de uma “Igreja
autorreferencial”.
Então
vejamos. Destes remanejamentos, alguns chamam atenção para uma espécie de
“promoção”, ou seja, saindo de dioceses “pouco significantes” para uma
(arqui)diocese de maior tradição e valor simbólico-político.
Por
exemplo, as nomeações de D. Jaime Spengler, OFM para a Arquidiocese de Porto
Alegre (deixando de ser bispo-auxiliar); de D. José Valmor César de Bom Jesus
da Lapa (BA) para São José dos Campos (SP), ou seja, do “sertão” da Bahia para
a “Via Dutra”; de D. Edmilson Amador Caetano, O. Cist. de Barretos (SP) para
Guarulhos (SP), da terra do “pião-boiadeiro” para a terra do “pião-operário”;
de D. Fernando José Monteiro Guimarães de Garanhuns (PE) para o Ordinariato
Militar (Brasília), da “diocese” de Lula para a “diocese” dos Militares.
Além
deles, também D. José Luiz Majella Delgado de Jataí (GO) para a Arquidiocese de
Pouso Alegre (MG); de D. Zanoni Demettino Castro de São Mateus (ES) para
coadjutor da Arquidiocese de Feira de Santana (BA); de D. João José da Costa de
Iguatu (CE) para coadjutor da Arquidiocese de Aracajú (SE) e de D. José Antonio
Peruzzo de Palmas-Francisco Beltrão (PR) para a Arquidiocese de Curitiba (PR).
O
Regional da CNBB que mais se privilegiou das nomeações (remanejamentos) foi o
Sul 1 (que corresponde ao Estado de São Paulo), maior “colégio
eleitoral-episcopal” do Brasil e que sempre tem um peso importantíssimo quando
das eleições para a Presidência e Comissões Pastorais da CNBB. Só para dentro
deste Regional foram conduzidos 13 dos 14 nomeados (somente D. Fernando
Brochini saiu de Jaboticabal e foi transferido para Itumbiara-GO).
Geograficamente,
continua a concentração Centro-Sul com 26 nomeações, enquanto Norte e Nordeste
tiveram 10. Depois do Sul 1, foram os Regionais Centro-Oeste (Brasília e
Goiás), com 6 nomeações, e Nordeste 3 (Bahia e Sergipe), com 4 nomeações,
respectivamente, que mais foram contemplados. No NE 3 há um caso de remoção, a
partir de informações levantadas, feita por pressão dos fiéis diocesanos devido
à suspeitas de mal comportamento moral de seu bispo.
Apesar
disso, algumas destas parecem ser interessantes no sentido de fortalecer ou de
manter opções pastorais importantes. Este é o caso, a nosso ver, da diocese de
Chapecó (SC). A saída de D. Manoel João Francisco (atual presidente do CONIC)
para Cornélio Procópio (PR) pode ajudar muito o Regional Sul 2 (Paraná), que irá
acolher o 14º Intereclesial das CEBs em Londrina, no fortalecimento de uma
caminhada ecumênica e de participação dos leigos nas bases dentro de uma
perspectiva bergogliana (“periferias existenciais”). Por outro lado, a chegada
à Chapecó de D. Odelir José Magri, vindo de Sobral (CE), pode dar continuidade
e fortalecer ainda mais a caminhada já feita nos últimos anos.
O
perfil pastoral dos 17 novos bispos é o seguinte:
a)
Clero: diocesano: 8; religioso: 9;
b)
Famílias Religiosas:
Opus
Dei (2), Josefinos (2), Franciscanos (1), Missionários do Sagrado Coração (1),
Congregação da Missão (1), Oblatos (1) e Congregação da Santa Cruz (1);
c)
Formação Teológica predominante:
Direito
Canônico (5), Teologia Espiritual (3) e Dogmática (2);
d) Atividades Pastorais predominantes antes da
nomeação:
Formador/Reitor/Provincial/Diretor
Espiritual (11), Párocos (9), Coordenação de Pastoral/Vigário Geral (5), Ação
Social [Fazenda Esperança e Cáritas] (2) e Cúria Romana [Conselho para os
Textos Legislativos] (1).
e)
Geografia: Centro-Sul: 10; Norte-Nordeste: 7.
Apesar
da diversidade das famílias religiosas de cunho missionário, podendo indicar
assim um princípio para uma “Igreja em saída”, o que se pode ver é a força de
uma “pastoral de conservação” que tanto a Conferência e o Documento de
Aparecida alertavam para a sua superação se se queria, de fato, uma “conversão
pastoral”. A formação predominantemente em Direito Canônico e Dogmática, mais a
experiência burocrático-administrativa em funções diretivas, onde a “virtude da
obediência” é a atitude mais praticada, são sinais evidentes de continuísmos.
Além
disso, a presença de 3 bispos-auxiliares (São Paulo, Brasília e Goiânia)
vinculados efetivamente (e afetivamente) com o Opus Dei (o auxiliar de Brasília,
D. José Aparecido Gonçalves de Almeida fez sua Pós-graduação em Direito
Canônico na Universidade Santa Cruz de Roma, dirigida pela Opus Dei) seria mais
um indício desta tendência.
Por
outro lado, podemos também enxergar algumas possibilidades interessantes e
inovadoras para um possível “efeito Francisco”: D. Irineu Roman, josefino,
nomeado bispo-auxiliar de Belém, um pároco de “periferia” e com “cheiro de
ovelhas”; D. Ailton Menegussi, formado em território de CEBs de São Mateus
(ES), indo para a Crateús (CE) do saudoso D. Antônio Fragoso; D. Onécimo
Alberton, foi Coordenador de Pastoral, presidente da Cáritas de Criciúma (SC) e
com forte sensibilidade social nomeado para a diocese de Rio do Sul (SC); e do
franciscano D. João Inácio Müller nomeado para Lorena (SP), território da
Canção Nova, onde estava o conservador D. Benedito Beni dos Santos.
Se
tomarmos as indicações do Papa Francisco aos bispos do CELAM, durante encontro
realizado no último dia da Jornada Mundial da Juventude de 2013, parece que,
com estas nomeações-remoções, o lugar do Bispo continua o mesmo de sempre: “à
frente”, com sua “psicologia de príncipe” e fortalecendo o fenômeno do
“bispo-polígamo” (termo usado pelo Papa Francisco), ou seja, vivendo na
expectativa de ser esposo de “outra Igreja”. Sem dúvida que já existem alguns
destes que se colocaram ou que querem se colocar “no meio” do seu povo “para
mantê-lo unido e neutralizar as debandadas”, mas levará ainda algum tempo para
que se coloquem também, e fundamentalmente, “atrás” “porque o próprio rebanho
tem seu faro para encontrar novos caminhos”.
Não
sabemos se o atual Núncio Apostólico no Brasil, D. Giovanni D’Aniello, está a
par deste critério eclesiológico de Francisco.
Muito significativas as imagens dos trens, engrenagens, da ponte.....
ResponderExcluirEnquanto isso, nós leigos, ficamos aguardando, esperançosos, que sejam nomeados , cada vez mais, bispos proféticos, com cheiro de suas ovelhas e comprometidos com as causas dos mais "lascados", pastores zelosos, a serviço do Reino de justiça e amor.