Um ponto de equilíbrio dentro da Teologia da Libertação



[19.02.1932 - 30.01.2014]




Memória e homenagem ao jesuíta João Batista Libânio que faleceu na manhã de quinta-feira, 30.01.2014, em Curitiba (PR)

 



Para o teólogo e escritor Leonardo Boff, com suas obras Libânio cobriu praticamente os principais tratados da teologia. “Sempre conferiu ao seu discurso uma aura de espiritualidade. Sua fala é brilhante, comunicativa, com pitadas de fino humor”
 
Por: Graziela Wolfart e Luis Carlos Dalla Rosa
 
Na visão de Leonardo Boff, que tem em João Batista Libânio um “amigo-irmão”, ele será contado como um dos “mais fecundos teólogos da Igreja pós-conciliar, com vasta obra teológica, pastoral, espiritual e intelectual. Será visto como um teólogo do equilíbrio dinâmico, do bom senso pastoral e sempre fiel a seu lar espiritual, a Ordem Jesuíta, ao sentir da Igreja latino-americana e brasileira e às buscas humanas por sentido e vida. Sua reflexão atinge o nível estrutural das questões e por isso guardará atualidade. Sempre se aprenderá com a visitação de seus escritos”. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Boff percebe que Libânio cultivou e viveu duas grandes fidelidades: “à Igreja e ao Papa, para além de fatos lamentáveis que ocorreram. Nunca dissociou a teologia da pastoral. Por isso é um dos mais queridos assessores e assistentes eclesiais e eclesiásticos. E a outra fidelidade: sempre foi fiel à dimensão de libertação dos oprimidos, inscrevendo-se como um dos mais representativos teólogos da libertação em nível mundial”.
Confira a entrevista.
 
IHU On-Line – Poderia falar um pouco sobre sua relação com Libânio na qualidade de companheiro de vida e de caminhada?
 Leonardo Boff – Libânio é um amigo-irmão. Começamos juntos nossa atividade teológica que já tem mais de 40 anos. Seja na Conferência dos Religiosos do Brasil, seja na Conferência dos Bispos e em incontáveis cursos e encontros no Brasil e no exterior. Tivemos a mesma formação de base, da universidade alemã e fomos inspirados por mestres comuns como Karl Rahner, Yves Congar e outros. Sempre admirei sua vasta cultura humanística e especificamente teológica. Com suas obras cobriu praticamente os principais tratados da teologia. Sempre conferiu ao seu discurso uma aura de espiritualidade. Sua fala é brilhante, comunicativa, com pitadas de fino humor.
 
IHU On-Line – Quais são as principais marcas de Libânio, como pessoa e pensador?
 Leonardo Boff – Como pessoa, revela-se fraterno, jovial e sempre compreensivo. É um intelectual extremamente culto e sempre atualizado nas questões filosóficas e teológicas. Sabe resumir os mais intrincados pensamentos com simplicidade, captando imediatamente o nó problemático das questões. Por sua piedade e sentido espiritual da vida mostra sinais de santidade. É um amigo-irmão que eu nunca perdi e sempre esteve ao meu lado nas minhas tribulações.
 
IHU On-Line – De modo geral, como o senhor analisa a trajetória teológica e eclesial de Libânio?
 
Leonardo Boff – Ele cultivou e viveu duas grandes fidelidades: à Igreja e ao Papa, para além de fatos lamentáveis que ocorreram. Nunca dissociou a teologia da pastoral. Por isso é um dos mais queridos assessores e assistentes eclesiais e eclesiásticos. E a outra fidelidade: sempre foi fiel à dimensão de libertação dos oprimidos, inscrevendo-se como um dos mais representativos teólogos da libertação em nível mundial.
 
IHU On-Line – Qual é o lugar de João Batista Libânio na Teologia brasileira e latino-americana?
 Leonardo Boff – Cabe a Deus e à história a última palavra. Mas como antepenúltima e penúltima, cabe também uma palavra humana. Ele será contado como um dos mais fecundos teólogos da Igreja pós-conciliar, com vasta obra teológica, pastoral, espiritual e intelectual. Será visto como um teólogo do equilíbrio dinâmico, do bom senso pastoral e sempre fiel a seu lar espiritual, a Ordem Jesuíta, ao sentir da Igreja latino-americana e brasileira e às buscas humanas por sentido e vida. Sua reflexão atinge o nível estrutural das questões e por isso guardará atualidade. Sempre se aprenderá com a visitação de seus escritos.
 
IHU On-Line – Como a opção de Libânio pela Teologia da Libertação tem impactado na caminhada da Igreja?
 Leonardo Boff – Libânio representou um ponto de equilíbrio dentro da teologia da libertação. É a razão pela qual foi muito ouvido pelos bispos e acolhido por todo tipo de auditório. Firme nas opções de base deste tipo de teologia, sabe articulá-las com as doutrinas da tradição cristã, mas de forma criativa e nunca no modo de um conciliarismo fácil. Ajudou a muitos jovens, jornalistas e intelectuais que acabaram formando uma rica roda ao redor de seu pensamento e pessoa. Mas principalmente colaborou enormemente nos grandes encontros nacionais das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs que, junto com Frei Betto, foi um de seus inspiradores. Ele se conta entre um dos mais preciosos patrimônios intelectuais de nossa Igreja brasileira. Alguém de quem todos nós nos podemos nos orgulhar.
 
IHU On-Line – Tendo presentes os atuais desafios que emergem do mundo plural (ecologia, diversidade religiosa...), de que modo o senhor analisa a contribuição de Libânio para o pensamento teológico contemporâneo?
 Leonardo Boff – Libânio se caracteriza particularmente por levar um diálogo erudito, aberto e criativo com as tendências atuais do pensamento e com as emergências novas da realidade, seja no campo da pós-modernidade, do fenômeno das religiões, da urbanização do mundo, da busca de sentido da intelectualidade acadêmica, da ecologia e outras. Nesse sentido, ajudou a socializar temáticas não muito abordadas pela teologia escolar e a ilustrar a consciência eclesial com conhecimentos novos, sempre numa perspectiva de fé e de sua incidência na pastoral. Nisso ele, além de teólogo foi um pastor. Melhor, entendeu o verdadeiro sentido de toda a teologia que é ser um momento da pastoral da Igreja.
 
IHU On-Line – Para finalizar, o que o senhor deseja acrescentar sobre Libânio, no momento em que ele celebra 80 anos de vida?
 
Leonardo Boff – Considero um privilégio e uma graça do Altíssimo ter podido caminhar a seu lado. Juntos tentamos dar o melhor de nosso pensamento em benefício dos outros, dos pobres e da Igreja. Que seus 80 anos continuem florescendo em obras de sabedoria, com a jovialidade e fraternidade que tanto admiramos nele.

Um comentário:

  1. Nossa geração teve o privilégio de acompanhar os documentos conciliares, a abertura para as questões cruciais, referentes ao diálogo com as estruturas sociais dos tempos pós-conciliares e o nascimento das Comunidades eclesiais de base - novo modo de ser Igreja, em consonância com a opção preferencial pelos pobres - seguindo o modelo de Evangelização mais fiel às pegadas do Mestre. E vimos florescer em nosso solo grandes teólogos, como esse admirável Pe. João Batista Libânio, que ao lado de outros iluminados, trouxeram pra nós, uma reflexão apaixonante, alicerçada na nova praxis cristã - a grande interação entre Fé e Vida.
    Seus textos são admiráveis e profundos. Traduzem uma autêntica renovação eclesial.

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