Numa entrevista de julho de 1975, Eliane Cantanhede afirmou:
“Nada tem sido mais dramático para a sobrevivência das tribos indígenas
brasileiras que a construção de estradas em seus territórios. Pela estrada vem
o branco, o vírus das doenças, os germes da mendicância, da violência, da
prostituição” (Veja 16/07/1975).
As recentes violências em Humaitá, AM, tocam numa das
feridas das veias e vias abertas na Ditadura Militar no Brasil. Ao ordenarem,
em sua estratégia geopolítica e econômica, que se rasgasse a densa floresta
amazônica em todas as direções, não apenas se estava abrindo estradas de
invasão, mas caminhos de genocídios de
inúmeros povos e comunidades indígenas que estavam sob os traçados das
estradas. E foi nesta política que o território Tenharim foi rasgado pela
Transamazônica, BR-230, na década de 1970.
Para Egydio Schwade, “a investigação da Comissão Nacional da
Verdade sobre a violência sofrida por índios terá que apontar o que ocorreu com
os Cinta Larga e Suruí, na região dos rios Aripuanã e Rooswelt, entre Rondônia
e Mato Grosso; os Krenhakarore do rio Peixoto de Azevedo, na rodovia
Cuiabá-Santarém (conhecidos como Índios Gigantes); os Kanê ou Beiços-de-Pau do
Rio Arinos no Mato Grosso; os Avá-Canoeiro em Goiás; Parakanã e Arara no Pará,
entre outros, em função dos projetos políticos e econômicos da Ditadura”.
“As investigações da Comissão Nacional da Verdade (CNV) pela
região Amazônica indicam um verdadeiro genocídio de índios durante o período da
ditadura militar. Não há como falar em um número exato de mortos devido à falta
de registros. Os relatos colhidos, no entanto, apontam que cerca de oito mil
índios foram exterminados em pelo menos quatro frentes de construção de
estradas no meio da mata, projetos tocados com prioridade pelos governos
militares na década de 1970” (Construção de rodovias no governo militar matou
cerca de 8 mil índios, por Luciana Lima , iG Brasília, 25/09/2013).
O referido texto, que além de denunciar o massacre de mais
de dois mil Waimiri-Atroari pela construção da BR-174 (Manaus-AM a Boa
Vista-RR) se refere especificamente às trágicas consequências da construção da
Transamazônica para os povos indígenas. “A Transamazônica foi escolhida como
prioridade e, por isso, representou uma verdadeira tragédia para 29 grupos
indígenas, dentre eles, 11 etnias que viviam completamente isoladas. Documentos
em poder da Comissão da Verdade apontam, por exemplo, o extermínio quase que
total dos índios Jiahui e de boa parte dos Tenharim. O território dessas duas
etnias está localizado no sul do Estado do Amazonas, no município de Humaitá”.
Essa é a hora da verdade. A Comissão Nacional da Verdade,
juntamente com a Comissão Indígena da Verdade e Justiça deverão, com urgência,
fazer um detalhado documentário sobre as graves consequências da violência e
mortes acarretadas a esse povo pela estrada. Registrar o genocídio que
acarretou a construção da Transamazônica, o que ela significou para dezenas de
povos, dentre eles os Tenharim. É o momento do povo brasileiro conhecer melhor
a verdadeira história dos massacres e não ser mais uma vez jogada contra os
índios, estimulando o ódio e o
preconceito.
Os povos indígenas, maiores vítimas desse modelo
desenvolvimentista, têm denunciado reiteradas vezes essas tragédias, dos índios
e as estradas. Entidades como o Cimi, vêm a quatro décadas denunciando as
consequências dessas rodovias da morte para comunidades e povos indígenas. A
continuidade desse modelo de progresso a qualquer preço, fica evidenciado nos grandes
projetos como as hidrelétricas de Belo Monte, no Xingu e as planejadas para o
Rio Tapajós, dentre outros.
O que a violência de Humaitá revela
A violência que significa uma estrada que passa por um
território indígena. Os Tenharim sentiram o golpe que significou a
transamazônica atravessando seu território, abrindo-o para a invasão de
interesses econômicos, principalmente madeireiras e mineradoras. São mais de
três décadas de permanentes agressões aos índios e ao seu território.
Margarida Tenharim denunciou à Comissão Nacional da Verdade
as centenas de indígenas mortos por ocasião e em consequência da estrada. Eu
vi, diz ela, as mortes de adultos, jovens e crianças... foram muitos. Passaram
por cima de nossos cemitérios... Estão querendo guerrear de novo, mas nós vamos
lutar pelos nossos direitos. Outra liderança fala da dependência que veio a
partir da estrada e mostrar o preconceito e animosidade que persiste: “Ainda
hoje tratam nós como bicho”.
A questão Tenharim é uma questão de lesa humanidade que deve merecer providências do Ministério Público Federal, da Comissão Nacional da Verdade e da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA. É uma questão de justiça.
[Fonte: Egydio Schwade e Egon Heck]
Venho acompanhando há tempos a luta dos povos indígenas pela defesa de suas terras e de sua cultura, luta desproporcional, que não encontra respaldo e ampla garantia de direitos, por parte dos poderes instituidos - haja vista a atuação da bancada ruralista, querendo retirar dos brasileiros originalmente donos das terras, as poucas conquistas que obtiveram às custas de muita dor e sofrimento.
ResponderExcluirE a mídia não se posiciona, majoritariamente, de maneira adequada, a defender os injustiçados - muitas vezes, se colocando ao lado dos interesses ruralistas, pois o poder financeiro corrompe muitas consciências, essa é a verdade! O povo precisa tomar conhecimento da espoliação histórica que vitimaram diversos povos indígenas e em pleno século XXI, é inadmissível que seus direitos não sejam plenamente respeitados!!!