Cacique Marcos Verón: réus condenados

Familiares com imagem de Verón

“Os réus Carlos Esteves, Jorge Cristaldo e Estevão Romero são condenados a doze anos e três meses de prisão em regime fechado”. Foram condenados por formação de quadrilha, tortura e sequestro a mão armada. Eram dez horas e oito minutos da noite de 26 de fevereiro de 2011, quando a Juíza Paula Mantovanni declarou encerrado o julgamento. De pé, em silêncio, todos os protagonistas e pequena platéia, foram lentamente se retirando da pequena sala de júri Esplanada no subsolo da Justiça Federal Regional, próximo à avenida Paulista em São Paulo.
O crime

O crime ocorreu em 13 de janeiro de 2003 na Fazenda Brasília do Sul, município de Juti, interior do MS, que se instalou na área reivindicada como Tekoha Takwara por Verón e sua comunidade. Em janeiro de 2003, por dois dias seguidos, a comunidade de Verón foi atacada e agredida por cerca de 30 a 40 homens armados. No dia 12, um veículo dos indígenas com duas mulheres, um rapaz de 14 anos e três crianças de 6, 7 e 11 anos foi perseguido por 8 km, sob tiros. Na madrugada do dia 13, os agressores atacaram o acampamento. Sete índios foram sequestrados, amarrados na carroceria de uma camionete e levados para local distante da fazenda, onde passaram por sessão de tortura. Durante a agressão, um dos filhos de Verón, Ládio, quase foi queimado vivo. A filha dele, Geisabel, grávida de sete meses, foi arrastada pelos cabelos e espancada. Á época do crime, Verón que tinha 73 anos, foi agredido com socos, pontapés e coronhadas de espingarda na cabeça. Ele morreu vítima de traumatismo craniano.

Por fim ao ciclo de violência

O júri, adiado por duas vezes, foi transferido do MS para São Paulo a pedido do Ministério Público Federal (MPF) com o objetivo de garantir a imparcialidade dos jurados e evitar que a decisão sofra influência social e econômica dos envolvidos no crime.

O grupo Kaiowá Guarani, que durante os cinco dias participou desse julgamento, fez um ritual de agradecimento na calçada, pela “vitória parcial”, como explicara o Procurador Marco Antonio Delfino. Pelo MPF, participam do julgamento os procuradores da República Marco Antônio Delfino de Almeida, de Dourados, Rodrigo de Grandis e Marta Pinheiro de Oliveira Sena, de São Paulo, além do procurador regional da República Luiz Carlos dos Santos Gonçalves.

Com o resultado do júri foi claramente identificado como autor das coronhadas que mataram o cacique Verón, Nivaldo, que era o capataz da fazenda e o mandante o fazendeiro Jacinto Honório da Silva Filho. Esses são réus no segundo processo e deverão agora ir a julgamento.

Só o fato do julgamento ter se realizado na cidade de São Paulo, com o máximo de isenção dos jurados, já é uma vitória. Aliás, a defesa manifestou-se inconformada com o desaforamento do julgamento de Dourados para São Paulo. Foi o primeiro caso desse gênero, relacionado aos povos indígenas. Também foi o segundo julgamento de matadores de índios no Mato Grosso do Sul, depois do julgamento dos assassinos de Marçal Tupã’i, no final da década de oitenta.


Comunidade Kaiowá Guarani
depois do julgamento

Para o procurador federal em São Paulo e coordenador da Acusação, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, que com muita sensibilidade sustentou as razões da condenação dos réus, “é preciso por fim ao ciclo de violência no Mato Grosso do Sul, onde as lideranças indígenas continuam sendo assassinadas. Precisamos colocar fim a esse ciclo de sangue e violência. Sem a terra os povos indígenas não conseguem ter um equilíbrio emocional e material, precisamos fazer justiça aos que assassinaram as lideranças Marçal, em 1983, Samuel Martin, em 2001, Julite Lopes, em 2007, Genivaldo, em 2009 e tantos outros. Estamos pedindo Justiça. Justiça e não vingança. Justiça e não impunidade”.

Para Valdelice Verón, filha do cacique, o julgamento representa uma vitória: “Para o povo vai ser um marco. A decisão não vai devolver meu pai para nós, mas vai devolver nossa dignidade enquanto ser humano. A gente vai se sentir realmente cidadão, respeitado pelo Estado Brasileiro e pela Justiça”.

Egon Heck e equipe

São Paulo, fim de fevereiro de 2011

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