No Dia do Migrante, protesto indígena na Paulista

"Eu sou você amanhã"


Fotos: Antonio Leandro da Silva
Protesto contra Belo Monte na Paulista
Movimento Brasil organiza mais uma manifestação contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte e a aprovação do novo Código Florestal.




"Quais os problemas que a construção da hidrelétrica de Belo Monte pode trazer" e "O que a aprovação do Novo Código Florestal poderiam implicar?" confere junto com os vídeos: http://brasilpelasflorestas.blogspot.com

19 DE JUNHO/2011: DIA NACIONAL DO MIGRANTE

Da migração forçada à caminhada gratuita

Portinari, Migrantes
O Dia Internacional dos Migrantes, que parte do calendário oficial da ONU, é o dia 18 de Dezembro. Essa data lembra o dia da adoção da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias (resolução 45/158 da Assembleia-Geral das Nações Unidas). No Brasil celebramos no dia 19 de junho o Dia Nacional do Migrante com vários eventos organizados pela Pastoral do Migrante.
A migração é resultado de um mundo fragmentado por grandes desigualdades materiais e sociais. Refletir a causa dos migrantes e refuguados permite analisar dois processos opostos: um emerge da desigualdade, enquanto o outro procura contribuir para superar a razão de ser da migração, a desigualdade.

Desigualdade criminosa

177 imigrantes interceptados
pela guarda costeira italiana
O primeiro é imposto pelo capitalismo, cuja configuração neoliberal induz indivíduos e grupos sociais a migrar para grandes cidades ou países do Norte, em busca de trabalho e sobrevivência. Mas, também nas grandes cidades grupos cada vez maiores perdem trabalho, casa e território. A crise da urbanização latino-americana causa novas ondas migratórias. O mundo neoliberal, movido pela hegemonia dos mercados e sua avaliação da atividade humana meramente sob o aspecto de custos e benefícios, gira em torno de uma lógica de desterritorialização.

Nesta lógica, identidades construídas a partir de territórios com fronteiras e soberanias espaciais, atrasam, complicam e encarecem a atividade econômica. O neoliberalismo globalizado configura um mundo sem fronteiras para o fluxo dos capitais e de competição generalizada. Ao lado do mercado de trabalho e de bens, surge o mercado dos servidos sociais, o do lazer, da escola, da saúde e do transporte, que se tornaram igualmente mundos de competição, de corrupção e violência. Na raiz da violência sem fronteiras, que repercute na violência contra os migrantes, está a lei do mais forte de um novo darwinismo socioeconômico.

Igualdade em construção

O segundo processo emerge da prática do peregrino de Nazaré, que se fez Caminho. Os cristãos realizam Seu projeto na caminhada. O "ser caminho" liberta da ansiedade e da pressão competitiva da chegada. O caminhar dos cristãos está marcado pela urgência do aqui e agora, e pela misericórdia para com os mais lentos. O sofrimento do pobre não permite atrasos burocráticos. A caminhada não produz feitorias contabilizáveis, mas "relações", "diálogo", "abertura" e um "coração ardente", que mudam a realidade.

Na origem da migração está uma violência imposta; na origem da caminhada está uma opção pela gratuidade.

Desafios da caminhada

É possível articular a alienação da terra perdida com a libertação do desejo de "possuir terra"? Perda e posse não são dois lados da mesma moeda? Quem trabalha com o mundo dos migrantes certamente já se perguntou se existe a possibilidade de vincular honestamente migração, caminhada e peregrinação. Existe a possibilidade de forjar, no interior da migração imposta, a força espiritual do homo viator? A mística da peregrinação não se tornaria, neste caso, uma justificativa da violência que os migrantes sofrem?

O campo religioso não dispõe de soluções para os migrantes, que possam dispensar as lutas políticas e a assunção da modernidade como limite e horizonte do "estar no mundo". Um fundamentalismo pré-moderno, por exemplo, propenso a substituir a ordem democrática, constitucional e racional por condutas autoritárias ou apelos fundamentalistas aos santos de casa, certamente, não pode oferecer soluções históricas. A libertação do estado da tutela clerical e a libertação da religião da instrumentalização política e econômica, hoje, são pressupostos de qualquer reflexão adulta.

A partir do evangelho, porém, temos sonhos de um convívio social, que propõem prioridades e opções políticas, que questionam radicalmente o grande relato da "desigualdade natural" do mercado. A luta por justiça se apoia nas conquistas da modernidade. Para os cristãos, a derrota do reino da necessidade e a recuperação de um espaço alternativo de não mercado e gratuidade são possíveis. Esse espaço está configurado na gratuidade da cruz de Jesus de Nazaré. A partir da cruz, o cristianismo não só dispensa outros sacrifícios redentores, mas ativamente rejeita todo poder que sacrifica vítimas humanas. A cruz é o último sacrifício com o "aval" de Deus. O "sacrifício" pós-pascoal é "memória", "ação de graças" (Eucaristia) e "solidariedade com os sacrificados" até os confins do mundo.

Aprender dos migrantes

Os migrantes, como portadores do evangelho do caminho, advertem as comunidades cristãs para os perigos que decorrem da domesticação, do sedentarismo e da adaptação aos modismos. Uma Igreja instalada sempre cairá nas malhas de estruturas pesadas e doutrinas complicadas que aprisionam o Espírito. Uma Igreja a caminho é uma Igreja simples e transparente. A mediação do caminho para a “vida em abundância” acontece no "enredo" de solidariedade com as vítimas. O espaço da gratuidade é delineado pela solidariedade desinteressada. A partir da libertação na cruz, compreendemos também a encarnação de Jesus de Nazaré como modelo de solidariedade e impulso de transformação.

Os migrantes não procuram voltar para a pátria com as mesmas estruturas que os excluiu. Se a migração não tivesse uma força transformadora sobre aqueles mecanismos que a produziram, ela seria apenas uma fuga sem fim. Na própria migração encontram-se os antídotos contra a reprodução daqueles mecanismos que reforçam a escuridão arcaica e as ambivalências da modernidade, a ambição pela propriedade individual que destrói as relações humanas. A migração inspirada pela caminhada aponta para novas relações humanas, a partir de uma nova visão do mundo.

Do Nordeste ao Canavial Paulistano
Também o peregrino não quer possuir o "objeto" de seu desejo, que é Deus; quer vê-lo face a face. A radical alteridade de Deus possibilita o reconhecimento da alteridade do outro. O "desejo missionário" não procura uma propriedade, mas uma alteridade reveladora, que está na brisa suave do caminho, no brilho dos olhos tristes e alegres do pobre, na caminhada despojada. O caminho, a relação e os pobres são lugares da experiência de Deus e da opção pelos pobres.

Migrantes Nordestinos
Os migrantes lembram às comunidades cristãs que caminhar é a forma mais radical da partilha. No desapego do caminho está a plenitude da missão, porque a plenitude não está na posse de coisas, mas no acesso à rede social e à casa maior, que é a natureza. Importante é ter "acesso à rede". De qualquer lugar podemos ter acesso à rede da gratuidade e partilha, que questiona a acumulação, à rede da proximidade, que contesta a indiferença e a exclusão, e à rede da universalidade que contracena com a globalização restritiva. O Reino de Deus é semelhante a uma rede lançada ao ar.

Paulo Suess

A proposta indígena do "Bem Viver"



Seminário Macro Regional do Cimi Rondônia

O evento contou com a participação de missionários do Conselho Indigenista Missionário dos regionais Norte I, Mato Grosso, Amazônia Ocidental e Rondônia, além do secretário executivo do organismo, Éden Magalhães. Na assessoria do seminário estiveram o antropólogo e jesuíta Xavier Albó e Armengol Caballero, diretor da Oficina Regional do Centro de Investigación e Promoción del Campesinado (Cipca) Norte, da Bolívia, além de Iremar Antônio Ferreira, do Instituto Madeira Vivo.

Confira abaixo o Documento Final do Seminário:

Bem Viver, alternativa ao modelo desenvolvimentista

Ser rico, não é ter mais, mas necessitar menos

 Com mentes e corações militantes, estivemos reunidos/as nos dias 13 a 15 de junho de 2011, em Porto Velho – Rondônia, missionários (as) do CIMI-Regional Mato Grosso, Amazônia Ocidental, Norte I, Rondônia, Secretariado Nacional, Povos Indígenas: Mayoruna, Marubo, Kassupá, Arara, Bororo, Wapixana, Apurinã, Apolima-Arara, Kaxinawá, Wajoro, Movimentos dos Atingidos por Barragens, Centro Burnier Fé e Justiça, Comissão Pastoral da Terra, Instituto Madeira Vivo e Centro de Investigación y Promoción del Campesinado en Bolívia, refletimos sobre o tema “Bem Viver, alternativa ao modelo desenvolvimentista”.
  O processo colonizador da Amazônia, iniciado na década de 60, foi marcado pelo avanço das frentes econômicas caracterizado pela construção de rodovias, hidrelétricas e do avanço do agronegócio sobre territórios dos povos indígenas e comunidades tradicionais, afetando toda a biodiversidade e estes povos que dela dependem para sua sobrevivência.
Na década de 70, as investidas mais sérias foram a abertura de estradas, rodovias e projetos de mineração. Nos anos 80, surge a tragédia decorrente da construção das hidrelétricas de Balbina, Samuel e Tucuruí.
Na década de 90 entre outros empreendimentos, a rota de saída para o Pacífico concretiza a estratégia de exportação de soja, madeira e minério.
Atualmente, se Belo Monte se constitui como “questão de honra” para o governo, numerosas PCHs se enfileiram ao longo dos rios Juruena, Madeira, Teles Pires, Tapajós, além das hidrovias do Araguaia, do Madeira e do gasoduto de Manaus, todos estes empreendimentos visando a exploração da natureza para a acumulação e reprodução do capital. [...]
Os Povos Indígenas não se cansam de elencar uma série de denúncias contra a violação de seus direitos garantidos pela Constituição Federal assim como pela Convenção 169 da OIT. As denúncias se referem à invasão de seus territórios que afetam diretamente a manutenção do modo de vida de cada povo. É gritante o descaso na atenção à saúde indígena, constatando-se uma série de óbitos que ocorrem cotidianamente na região amazônica, e nas demais regiões do Brasil, a exemplo do que ocorre no Vale do Javari, por omissão do Estado.
Em toda a Amazônia, o risco de vida que atinge as diferentes etnias vem afetando com maior intensidade os mais de 90 povos isolados, que continuam sendo alvo de inúmeras invasões e frequentes massacres.
A luta pela integridade do território constitui-se como o eixo que desencadeia os processos de criminalização, cooptação e violência contra os povos e suas lideranças. Nesta perspectiva, a ausência de uma política em relação às fronteiras, provoca uma série de problemas para as comunidades que vivem nestas regiões.
Este conjunto de ameaças à integridade física, cultural e territorial atenta contra os projetos de vida de cada povo, incidindo diretamente nas condições imprescindíveis ao seu Bem Viver.
Para os povos indígenas é fundamental a garantia de seus territórios demarcados como condição imprescindível para o fortalecimento de seu projeto de Bem Viver, entendido como um relacionamento harmonioso consigo mesmo, com os outros e com a natureza, valorizando os saberes e fazeres ancestrais, construindo coletivamente a utopia da Terra Sem Males, a partir de suas próprias cosmovisões.
Missionária Beth Amarante
e assessor Xavier Albó
De forma cada vez mais intensa os povos compreendem o valor da organização e da unificação de suas lutas nas diferentes regiões e além fronteiras. São importantes as alianças com outros setores, que a partir de suas experiências e reflexões, proporcionam outro mundo possível, mais sóbrio, sem desperdícios e mais solidário, para que todos e todas compartilhem o Bem Viver.
Questionados/as por esta realidade e inspirados/as pela proposta do Bem Viver, que está emergindo também entre outros povos do mundo, nos comprometemos a rever nossas próprias atitudes de vida e, no cotidiano de nossa convivência com os povos indígenas, contribuir no processo de construção do Bem Viver como alternativa ao modelo desenvolvimentista, pois o Bem Viver nasce de profundas raízes, estando aquém e além dos modelos preconizados pelos sistemas capitalista e socialista.
Este seminário reacendeu em nós sonhos de mística e militância que queremos partilhar, em consonância com a experiência dos povos indígenas que, apesar da secular violência, celebram a VIDA.
Porto Velho, 15 de junho de 2011.

“GARDÊNIA” – Cenas de “O amor nos tempos do cólera”, de Gabriel García Márquez, no Teatro João Caetano, São Paulo

Amor sob a bandeira amarela da peste


Gardênia: El Otro Núcleo de Teatro
com Cybele Jácome e Luís Mármora
Há meses não assisto a uma peça de teatro tão impactante, como Gardênia. O espetáculo segue livremente a saga de Fermina Daza e Florentino Ariza, seu amor de juventude, suas vidas separadas por mais de cinquenta anos e o reencontro na velhice. Depois de assistir à peça, corri para a Livraria Cultura e comprei o texto-matriz de Gardênia, “O amor nos tempos do cólera”, de Gabriel García Márquez, autor dos “Cem anos de solidão” e prêmio Nobel de literatura.
O núcleo da narrativa: Florentino Ariza e Fermina Daza à procura de espaço e tempo para seu amor. Já no inverno de suas vidas descobrem que vida amorosa numa casa convencional lhes seria alheia para sempre. Criam seu espaço de viver e amar no camarote do navio Nova Fidelidade. No fim da narrativa, Samaritano, o comandante do navio, olhando para Florentino e Fermina, serenos avós numa viagem lunática (não propriamente de lua de mel!), se assustou com a suspeita tardia “de que é a vida, mais que a morte, a que não tem limites”.
Não é que a vida não tenha limites. É possível afastá-los? Os limites são os parentes, os vizinhos, os olheiros, os paparazzi, os voyeurs. O que eles dirão de nós? Por causa desta pergunta repressiva, Fermina deixou de realizar muita coisa em sua vida, coisas geniais e loucuras. Os limites também são pontes.
O navio, que transportou carga de subida até o porto de Dourada, na descida recebeu passageiros que começaram a entrar no Nova Fidelidade. Entre eles, Fermina Daza logo notou muitas caras conhecidas, algumas de amigos que, fazia poucas semanas, a haviam acompanhado em seu luto de viuvez. Às pressas, Fermina refugiou-se no camarote. Florentino a encontrou consternada: “preferia morrer a ser descoberta pelos seus numa viagem de prazer, pouco tempo depois da morte do marido”.
Florentino, então, procura o comandante Samaritano. Ao final de uma conversa sobre despesas e entradas dessas viagens, Florentino pergunta, falando por hipótese: “Seria possível fazer uma viagem direta sem carga nem passageiros, sem tocar em porto nenhum sem nada?” Samaritano, um homem esperto que soube soltar palavrão de carroceiro e que entendeu perfeitamente a “hipótese” de Florentino, não pensou duas vezes: “A única coisa que permitia saltar por cima de tudo era um caso de peste a bordo. O navio se declarava de quarentena, içava-se a bandeira amarela e se navegava numa emergência.” O comandante Samaritano tinha tido que fazê-lo várias vezes devido a casos de cólera, mas também para burlar impostos ou impedir buscas inoportunas. “Pois bem – disse Florentino – façamos isso.”

A bandeira amarela simulando o cólera permitiu a Florentino Ariza e Fermina Daza, que exatamente depois de cinquenta e três anos, sete meses e onze dias, derrubaram a fronteira do “o quê os vizinhos dirão de nós”, e se uniram para fazer um amor antes nunca experimentado, porque cada ato de amor é obra nova de arte e vida. “Era como se tivessem saltado o árduo calvário da vida conjugal, e tivessem ido sem rodeios ao grão do amor. Deixavam passar o tempo como dois velhos esposos escaldados pela vida, para lá das armadilhas da paixão.”
Na realidade, não derrubaram a fronteira do controle social. Sob o pretexto da peste empurraram as fronteiras para fora do navio, pedindo tempo e espaço sem vigias de convenções funerárias para sua travessia. E Fermina descobriu nessa viagem “que as rosas cheiravam mais que antes, que os pássaros cantavam ao amanhecer muito melhor que antes, que Deus tinha feito um peixe-boi e o pusera na praia de Tamalameque só para que a acordasse”.
Quando chegaram ao porto final, a patrulha armada queria saber que tipo de peste grassava a bordo e que possibilidades havia de novos contágios. Mas a patrulha sanitária não ficou satisfeita com as respostas do comandante Samaritano e mandou que saíssem da baía e esperassem nos pântanos, enquanto se preparavam os trâmites para que o navio ficasse de quarentena.
Samaritano tentando "pôr-se de acordo com a própria raiva", não descobria como sair da embrulhada em que se metera com a bandeira do cólera. Florentino Ariza olhou pelas janelas, o horizonte nítido, o céu de dezembro sem uma única nuvem, as águas navegáveis para sempre, e disse: “Sigamos em linha reta, reta, reta, outra vez até a Dourada”. Fermina Daza estremeceu, porque reconheceu a antiga voz iluminada pela graça do Espírito Santo. O comandante olhou Fermina e, depois, Florentino, seu domínio invencível, seu amor impávido e perguntou: “Até quando acredita o senhor que podemos continuar neste ir e vir do caralho?” Florentino Ariza tinha a resposta preparada ainda no tempo quando procurou agradar a amada com gardênias: “Toda a vida”, disse.



POST SCRIPTUM SOBRE BANDEIRAS E CAUSAS

Para não continuar por “toda a vida” em linha reta, “neste ir e vir do caralho”, protegidos dos paparazzi pela astúcia da peste simulada, mas isolados dos amigos, depois da terceira viagem, Florentino Ariza e Fermina Daza decidiram recolher a bandeira amarela. Sentiram que ser livres não significava livrar-se dos outros ou fingir luto de viuvez. Consideravam envolver seu amor em outras bandeiras. No calor da discussão de causas e bandeiras em que se mesclavam o privado e o público, Fermina e Florentino sentiram em seu amor, novamente, faíscas de paixão. Sentiram que estavam vivos e verdadeiramente livres, ainda que tarde.
Bandeira do Tawantinsuyo
Bandeira do Povo Palestinense


Bandeira do MST


Bandeira do Divino

No Pará, 98% das mortes no campo ficam impunes

Um levantamento inédito do governo federal mostra que quase 98% dos casos de assassinatos no campo do Pará ocorridos nos últimos dez anos ficaram impunes. Foram analisadas 180 situações que resultaram em 219 mortes no Estado, entre 2001 e 2010.
A reportagem é de João Carlos Magalhães e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 07-06-2011 e pelo Instituto Humanitas Unisinos. 
Apenas quatro (2,2%) delas geraram boletins de ocorrência, inquéritos policiais, denúncias de promotorias, processos judiciais e, por fim, alguma condenação.
Outros três casos chegaram a ser julgados, mas os réus foram absolvidos.
O trabalho, desenvolvido pela Ouvidoria Agrária Nacional e Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, mostra também que a maioria dos assassinatos no campo paraense (61%) não chega à Justiça. Dois em cada dez casos nem foram investigados.
O levantamento indica que a maioria das mortes (162) têm relação com disputas por terras e recursos naturais, como madeira.
Além do Pará, as ouvidorias analisaram também as mortes ocorridas no campo de Mato Grosso e Rondônia.
Na zona rural de Rondônia foram 47 situações, em que 71 pessoas foram mortas. Quase a metade (45%) gerou processos e em apenas 13% delas houve condenação.
No Mato Grosso, foram 50 mortes em 31 casos - 58% chegaram à Justiça, mas 90% continuam impunes.
Os dados serão entregues a governadores, Tribunais de Justiça e Ministério Públicos de Estados da Amazônia Legal, na tentativa de pressioná-los a acelerar apurações ou julgamentos do crimes.
Nas últimas duas semanas, o governo vem tentando responder à sequência de assassinatos de líderes extrativistas e trabalhadores rurais na Amazônia. Apenas no Pará foram quatro mortes.
Michel Misse, do Núcleo de Estudos em Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e autor de um dos poucos estudos empíricos sobre o tema, afirma que os índices revelados pelo levantamento são "absurdos" e cita duas hipóteses para explicar o cenário de impunidade.
 A primeira é a existência de uma "rede" que liga os operadores do sistema penal, como policiais, juízes e promotores, aos criminosos. A segunda é o medo dos operadores independentes de desafiar essa "rede".
 "Não acredito em ausência estatal. Pode ter uma presença fraca, incompetente ou cúmplice, mas tem."

Primeiro aniversário de Páscoa (1.6.2011): Homenagem a Pedro Yamaguchi Ferreira


Pedro, missionário leigo, enviado dia 25 de fevereiro
 de 2010 para Amazônia, morreu no dia 1 de junho
 do mesmo ano, afogado no Rio Negro (AM) 
Missa do Envio para Amazônia, celebrada na Igreja
Nossa Senhora da Boa Morte, no dia 25 de fevereiro 2010,
(foto: Douglas Mansur).

Primeiro aniversário da Páscoa de Pedro, celebrada
 no dia 3 de junho de 2011,  nas dependências do Educafro,
Paróquia São Francisco (foto: Douglas Mansur)



Ibama autoriza Belo Monte sem cumprimento de condicionantes

UM BELO PRESENTE

PARA A SEMANA DO MEIO AMBIENTE

 O Dia Mundial do Meio Ambiente é comemorado no dia 05 de junho. A data foi criada em 1972 após um encontro promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU), com a finalidade de tratar assuntos ambientais que englobam o planeta. A conferência reuniu 113 países preocupados com a degradação do meio ambiente e a sobrevivência da humanidade.
Belo Monte depois da Guerra de Canudos (1896)
Uma profecia para Belo Monte do Xingu?

Pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), sempre muito adiantado em sua atuação ambiental, Brasil ganhou um belo presente, a licença de instalação que autoriza o consórcio Norte Energia a iniciar as obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, na região de Altamira, no Pará. Era o que faltava para o governo federal colocar em movimento o maior investimento programado dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Segundo os documentos oficiais, Belo Monte inundará uma área de mais de 600 quilômetros quadrados, em duas represas e provocará o despejo forçado (deslocamento) de 16 mil pessoas. O Ibama concedeu a licença com apenas 23 das 40 condicionantes ambientais atendidas pelo consórcio Norte Energia, para a liberação de construção do projeto.

O projeto é faraônico. O orçamento que a Norte Energia encaminhou ao Ibama avalia o investimento recorde em R$ 27,4 bilhões, para gerar em média uns 4.500 MW de energia. Se o investimento é recorde - a usina é a terceira maior do mundo -, a produção é baixa e os impactos ambientais, econômicos, sociais e humanos serão profundos. Mais de 350 acadêmicos, incluindo professores, pesquisadores, cientistas e intelectuais brasileiros enviaram ontem, dia 1º de junho, uma carta à presidente Dilma Rousseff expressando sérias preocupações relativas a violações de direitos humanos e ao descumprimento da legislação ambiental brasileira no processo de Belo Monte.

As manifestações contrárias ao parecer do Ibama não se restringem ao Brasil. A organização Anistia Internacional (AI) pediu que o governo do Brasil suspenda o projeto de construção da hidrelétrica de Belo Monte até que os direitos da população indígena estejam "plenamente garantidos".

No seu parecer técnico de 14 de janeiro deste ano, os próprios técnicos da Funai afirmaram que as condicionantes sobre os indígenas não foram cumpridas e que, com isso, “não há resultados concretos positivos”. A recomendação era para que a Funai não desse qualquer licença de instalação. O presidente do órgão, Márcio Meira, contrariou a análise de sua equipe e assinou a autorização.
Após a decisão do Ibama em conceder a Licença de Instalação da obra, diversas organizações contrárias a Belo Monte se manifestaram. O Movimento Xingu Vivo se diz surpresa com a concessão e afirma que não recuará na luta pela não realização da obra. "Não recuaremos um centímetro. A cada erro, a cada mentira, só aumenta mais nossa indignação e nossa força de lutar. Esta licença é a antessala de um crime que nós impediremos, custe o que custar", disse Antonia Melo, coordenadora do Movimento “Xingu Vivo Para Sempre”.

Em nota divulgada, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) também expressou repudio diante da decisão do Ibama que fere os direitos dos povos indígenas garantidos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), pela Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas e até mesmo pela própria Constituição Federal Brasileira. “Não aceitaremos Belo Monte. Essa é a decisão dos povos indígenas da Amazônia Brasileira. O movimento indígena amazônico está preparado, nossa fortaleza é o Xingu”, afirmaram.

O Cimi se junta às vozes dos povos indígenas e movimentos que lutam contra Belo Monte: “Reafirmamos o compromisso de continuar apoiando suas lutas no intuito de impedir a implementação deste projeto de morte”.

Gratuidade, dom, solidariedade, convivialismo para mudar o mundo? Igualdade, justiça e eficacidade não garantem a felicidade. Provocações de Alain Caillé

Convivialismo
para além do liberalismo e do socialismo?

 Sociólogo e economista, Alain Caillé fundou, em 1981, o Movimento Anti-utilitarista em Ciências Sociais (Mauss, na sigla em francês), em homenagem ao antropólogo francês Marcel Mauss (1872-1950). Caillé contesta o pensamento econômico dominante há mais de um século, segundo o qual os indivíduos são movidos pelo seu interesse. A este “utilitarismo” ele opõe outro motor de ação humana, “o espírito do dom”: a regra básica, imutável, do viver juntos, não é nem um toma lá, dá cá, nem a compra e a venda, mas a tríplice obrigação de dar, receber e retribuir. Mas não nos iludamos: esta assertiva não tem nada de idealista. O dom carrega dentro de si as nossas expectativas de um “retorno”, de um reconhecimento.

Anti-utilitarismo, dom, convivialismo, as palavras chaves do pensamento de Alain Caillé nos parecem legítimas para refletir sobre as relações sociais na sociedade de amanhã quando a vulnerabilidade se tornará uma realidade massiva. Com o alongamento da vida e os progressos na área da medicina, o número de pessoas com deficiências e idosas dependentes vai explodir no mundo. As nossas sociedades vão aceitar partilhar equitativamente os recursos com aqueles que não podem “produzir” nada? Ou então vão reenviar cada um para seguros privados, reservados aos ricos? Saberemos cuidar a parte frágil da nossa humanidade? Para Alain Caillé, a resposta a estas questões é acima de tudo política. Devemos inventar um Convivialismo, uma convivialidade, dito em outras palavras, a arte de viver juntos mesmo nos opondo, mas sem nos massacrarmos e levando em conta a finitude e a fragilidade da humanidade e do mundo.

Alain Callé
O artigo que segue foi escrito pelo autor para o encontro “A piene mani”, sobre o dom, que ocorreu em Nápoles, na Itália, e publicado no jornal Il Manifesto, 31-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A entrevista Alain Caillé concedeu a Dominique Fonlupt e está publicada na Revista francesa La Vie, 09/07/2009, p. 9-11. A tradução é do Cepat. Introdução e texto cf.: http://www.ihu.unisinos.br/ (Notícias do dia 01/06/2011 – Convivialismo).

 Eis o texto.

  Bem antes da catástrofe de Fukushima tínhamos a sensação, mais ou menos confusa, de que a Terra não poderia sobreviver por muito tempo à corrida generalizada rumo a um crescimento infinito (como afirmavam inúmeros analistas e militantes altermundialistas). Agora temos a certeza de que isso é verdade.
  Mas o que não sabemos é como organizar o mundo sobre outras bases. As grandes ideologias políticas da modernidade das quais somos os herdeiros – liberalismo, socialismo ou comunismo – já não estão mais à altura dos problemas que temos à nossa frente, sem falar do neoliberalismo.
  Estes repousavam sobre o postulado de que o conflito entre os seres humanos seria resolvido pelo enriquecimento ininterrupto de todos e de cada um. Mas se isso não pode – ou não deve – mais ser o caso, o problema central político e ideológico da humanidade se coloca à nossa frente com toda a violência e a crueldade possíveis: como impedir a guerra de todos contra todos, preservando a democracia, se não for abandonada a perspectiva de um crescimento infinito? A democracia ainda era pensada em uma escala nacional, de uma só cultura ou de um só país. É preciso, hoje, imaginá-la em escala internacional ou intercultural.
  Para além do liberalismo, do socialismo ou do comunismo, devemos, portanto, inventar um convivialismo, uma convivialidade, dito em outras palavras, a arte de viver juntos mesmo nos opondo, mas sem nos massacrarmos e levando em conta a finitude e a fragilidade do mundo. No respeito da decência comum, da civilidade, do espírito do dom e do bem comum.
  Sob esse padrão, podem-se reunir múltiplas correntes de pensamento (ecologismo, democracia radical, antiutilitarismo, pós-materialismo, decrescimento, novos indicadores de riqueza, sobriedade voluntária etc.), às quais, para realmente pesarem sobre o curso do mundo e evitar as catástrofes anunciadas, só falta a consciência do fato de que o que elas têm em comum é mais importante do que aquilo que as separa.
  Nessa perspectiva, contrariamente às certezas hoje onipresentes, parece então que os principais problemas que temos à nossa frente não são acima de tudo econômicos ou técnicos, mas sociais e éticos. É preciso ajudar tanto a sociedade, quanto a natureza, hoje abaladas, a se levantarem dos golpes que sofreram. E isso não será possível sem uma enorme revolta moral, universalizável, contra o curso atual do mundo.

Eis a entrevista:
O futuro da humanidade requer o dom.

A explosão do número de pessoas vulneráveis e dependentes nos próximos anos vai modificar as nossas relações sociais?

Sim, necessariamente. Tudo o que entre nós alimentava um sentimento de segurança a partir dos Trinta Gloriosos – isto é, o Estado e a família – se esboroa cada vez mais perigosamente. Certamente, a família continua sendo um valor importante porque ela é uma defesa contra a exclusão. Mas também ela é cada vez mais frágil. Quanto ao Estado providência, ele repousava sobre a solidariedade entre os trabalhadores no contexto de uma sociedade de assalariamento universal. Todos eram chamados a trabalhar toda a vida, cada qual contribuindo para uma partilha dos riscos no interior da comunidade nacional. Ora, a proteção social – saúde e velhice – acusa déficits inquietantes e a ameaça do desemprego atinge, na França, a metade da população. A partir do momento em que esta sociedade salarial entra em decomposição, é preciso considerar formas de solidariedade não recíprocas – isto é, assimétricas – que permitem dar às pessoas vulneráveis bem mais do que a sua contribuição.

 Por que esta solidariedade sem reciprocidade seria tão problemática?

Porque ela comporta uma mudança completa de nossos valores. Com a multiplicação das vulnerabilidades, cada vez mais pessoas não poderão ser recíprocas. Elas dependerão da solicitude dos outros, do care, como o definem os anglo-saxões. A partir dos anos 1980, autores americanos, como Carol Gilligan e Joan Tronto, destacaram a importância social do care, uma palavra intraduzível que contém a noção de cuidar do outro, de reparar, com empatia. Esses pesquisadores mostraram que esse trabalho de care não é nem reconhecido, nem valorizado financeiramente. Por outro lado, ele é massivamente dado às mulheres. Sem dúvida porque a nossa sociedade valoriza a autonomia e o sucesso público. O care encarna justamente valores opostos. Todos nós sabemos que podemos de um dia para o outro tornar-nos dependentes, mas nós repelimos esta ideia. O que explica que aquelas que, atualmente, ajudam a manter a nossa sociedade de pé ao se ocuparem, no dia-a-dia, das pessoas idosas, das pessoas com necessidades especiais, são relegadas a uma espécie de invisibilidade social. Falta ao care um reconhecimento coletivo que poderia justificar o dom que ele representa. A solicitude é ainda muito frequentemente associada à abnegação, ao sacrifício, sem retorno possível.

 Mas, o que é esse dom que exige um retorno?

A palavra se presta à confusão. É uma noção antropológica e não moral. Marcel Mauss, o primeiro teórico do anti-utilitarismo, queria encontrar “a rocha da moral eterna” e universal. Para ele, todas as morais se fundam sobre o espírito do dom: sair de si, ir ao encontro dos outros para entrar no ciclo do “dar-receber-retribuir”. Mas esse ciclo é animado por uma lógica da reciprocidade no longo prazo. Nós só damos àqueles que podem retribuir, compreendido de maneira simbólica, sob pena de esmagá-los e de romper um equilíbrio social. Seguindo os passos de Mauss descobrimos que o motor do homem é o desejo de ser reconhecido, e o que ele quer ver reconhecido é a sua capacidade de dar. Mas, no fundo, o que se dá? Vida, energia vital. Mas dar mostra também aos outros como nós somos potentes, magníficos. E acrescenta nossa própria energia vital. Toda a incerteza do dom reside nisso: de quem acrescenta energia? Do doador? Do receptor? Dos dois? Esta luta para existir aos olhos dos outros ao dar se manifesta diferentemente segundo as épocas. Para os gregos, era belo morrer pela cidade. Na Idade Média, consagrar a vida à glória de Deus ou de seu príncipe. Hoje, para alguns, a glória está em carregar um Rolex no pulso. O que significa que se dá a si mesmo. Para outros, ela passa pelo engajamento humanitário. Ambíguo porque ao substituir a ajuda no campo político corre o risco de exacerbar os conflitos que gostaria de resolver e que contribui às vezes mais para a reputação do Ocidente doador do que aos povos socorridos. Desde mais de um século para cá essa necessidade de existir se manifesta pela acumulação das riquezas. Mas esse desejo de “sempre mais”, tão amplamente difundido hoje não constitui um horizonte ultrapassável. Podemos almejar que a solicitude para com os mais frágeis seja um dia reconhecida em toda a sua utilidade social e considerada essencial. Isso seria de fato um dom valorizado.

 Não seríamos então forçados a acumular menos para partilhar mais?

Vemos emergir correntes de adeptos da simplicidade voluntária. São escolhas individuais louváveis, até mesmo comportamentos exemplares. Entretanto, não são suficientes para inverter a tendência do hiperconsumo, caso não se ligarem a um “grande relato”, isto é, a um discurso partilhado e “universalizável” que dá um sentido coerente à nossa vida, como faziam outrora as religiões e as ideologias. Mas as nossas sociedades pós-modernas se caracterizam pelo desaparecimento dos grandes relatos. Elas recusam qualquer discurso globalizante e coerente em prol de fragmentos de discursos, parciais, que nos impedem de tomar consciência do que nós temos em comum. Ora, enfrentar os problemas postos pela generalização da vulnerabilidade necessita de mudanças éticas e econômicas consideráveis. O desafio fundamental é a luta contra o que o filósofo Cornelius Castoriadis chamada de ilimitação, a desmedida. Quer dizer, a ilimitação da miséria, de um lado, e a ilimitação da riqueza, de outro.

 Como?

 Concretamente, eu proponho o princípio de uma renda mínima para todos garantindo uma vida decente, independentemente de suas capacidades. Por outro lado, o único meio de lutar contra a desmedida que concentra as rendas nas mãos de uma minoria e dificulta o exercício coletivo da solidariedade é afirmar que ninguém deve ultrapassar um determinado nível de riqueza.

 A solicitude humana tem limites?

 Sim. Hoje, ela é tributária da resposta a esta questão: até onde deve ir a nossa solicitude para que o nosso mundo permaneça humano e suportável? E o que a nossa sociedade será se nós pararmos de exercer esta solicitude? O que me interessa é a nossa capacidade de fazer emergir valores universais que sejam compartilháveis. Nós sofremos cruelmente essa falta. Em matéria de solidariedade, nós perdemos toda visão comum entre os países ocidentais e os outros, especialmente.
Entretanto, os exemplos do desenvolvimento sustentável e da ecologia nos dão razões de esperança. [...] O sobressalto virá talvez da reação à dimensão apocalíptica de futuro. A humanidade será capaz de reconhecer um discurso global face a um apocalipse social iminente? O sobressalto contra a desmedida virá sem dúvida com a tomada de consciência do perigo.
  
 Alain Caillé é autor do livro “Antropologia do Dom. O terceiro paradigma", editada pela Editora Vozes, em 2000, e co-autor, com Jacques Godbout, do livro "O espírito da dádiva", editado pela Fundação Getúlio Vargas Editora.

Deus no gesto do DOM: o Espírito Santo
[Artista: Maximinio Cerezo Barredo]