Amoris laetitia: Sobre o Amor na Família segundo o Papa Francisco


Processo e preço da sinodalidade

Um primeiro olhar sobre a “Exortação Apostólica
Pós-Sinodal do Papa Francisco”



  Através de três palavras-chave da “Exortação Amoris laetitia” do Papa Francisco pode-se traçar um caminho que atravessa a generosa selva de 60 mil palavras de seu texto: sinodalidade, subsidiariedade e discernimento. Cada uma dessas palavras aponta para avanços e riscos que Francisco procura contornar com autores que servem como avalistas da legitimidade de seu texto, da continuidade de seu pensamento e da contemporaneidade do magistério eclesial a serviço do povo de Deus. Ao mesmo tempo abre frestas pelas quais entram raios de luz que permitem retratar o andar eclesial em câmera lenta.

        Na sinodalidade, com seus dois braços da colegialidade dos bispos e da participação das Igrejas locais, o papa reinterpreta seu primado entre iguais e abre mão da centralização e da solidão decisória do poder eclesiástico.

        A subsidiariedade reconhece o sopro do Espírito Santo nas Igrejas locais. O Papa Francisco procura delegar a solução de muitas “discussões doutrinais, morais ou pastorais” (AL 3), sem prejuízo à unidade da Igreja, aos lugares onde surgiram, sem intervenções tutelares permanentes do magistério. Atrás da subsidiariedade está o sonho de uma Igreja local adulta que caminha na unidade do Espírito Santo, portanto, de uma Igreja articulada no plural de suas culturas e dons.

        No discernimento – discernimento/discernir aparecem 40 vezes no texto -, como terceiro eixo, se expressa a vontade da mediação e harmonização das tensões entre normas gerais que pretendem garantir a unidade, e vivências contextuais e práticas não só na diversidade dos cinco continentes, mas também numa ética situacional que tem um olhar para as particularidades e a concretude de cada situação.

        Com esse triângulo entre sinodalidade, subsidiariedade e discernimento, com sua preferência para uma teologia indutiva, o papa retoma com novo vigor inspirações fundamentais do Vaticano II, que nesses 50 anos pós-conciliares apenas tibiamente foram assumidas. É claro que a partilha do poder, a diversificação da monocultura eclesiástica e a flexibilização de uma normatividade rígida com padrões éticos e rituais que não levam em conta a idiossincrasia das regiões e das pessoas, tem seu preço para manter equilíbrios internos. Aqui e acolá, o leitor da Amoris laetitia sente que, em nome da unidade do caminhar juntos, o Papa Francisco foi obrigado a sacrificar sua própria radicalidade evangélica.

        Mas o mundo não contemplado corretamente nessa Exortação, os chamados casos “irregulares” (casamento em segunda união, o casamento homoafetivo, a coabitação fora do casamento), não está disposto a vestir um sambenito para ser sacrificado pela manutenção de equilíbrios internos da Igreja na fogueira do mal menor. Ou vai engrossar a fila do êxodo eclesial ou vai dar seu jeito na catolicidade engessada, captando a essência do Evangelho, o perdão recíproco, a gratuidade e a esperança, não sem pedir o consentimento de Deus e trocar um piscar de olhos com o irmão Francisco.

[Esse texto é a introdução a um texto mais amplo que seguirá posteriormente]


Paulo Suess

Um comentário:

  1. A "Introdução" já se apresenta como uma preciosidade, graças à agudeza de espírito, admirável sutileza de análise do renomado professor e Teólogo que tem a generosidade de partilhar conosco, seus alunos e ouvintes, as reflexões apuradas e argumentação minuciosa, sobre o Documento do Papa Francisco.

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