4 DE OUTUBRO, FESTA DE S. FRANCISCO. CENTENÁRIO DA MISSÃO FRANCISCANA NO RIO CURURU/AM

O carmelita D. Frei Wilmar Santin, bispo de Itaituba, conta de sua viagem memorável à Missão Franciscana entre os Munduruku


No início, os franciscanos moravam nas malocas

A missão franciscana – franciscanos OFM e franciscanas SMIC - com os Munduruku no rio Cururu está completando 100. Os primeiros missionários do rio Tapajós foram os jesuítas no final do século XVII.
Fr. Hugo Mense com jovem munduruku
que ele levou para Alemanha

A presença missionária franciscana entre os Munduruku teve início em 1908, quando os freis Hugo Mense, Luís Wand e Crisóstomo Adams iniciaram as viagens de exploração ao Alto Tapajós. “Em 1910 os padres alcançaram o rio Cururú e, conforme relata o Diário da Missão de São Francisco, travaram conhecimento com o grupo indígena liderado pelo cacique Cadette e seu irmão João Huacu-apóm, iniciando com este grupo uma viagem de reconhecimento de algumas aldeias indígenas. [...]. Essa viagem aventureira durou 32 dias e chegaram na foz do Cururú na Festa do Divino. No ano seguinte se fixaram definitivamente entre os Munduruku. Foram junto também três irmãs da Congregação da Imaculada Conceição de Santarém (SMIC). No início moravam nas malocas dos índios e só depois, mais precisamente no dia 4 de outubro de 1911 – festa de São Francisco, passaram a ter casa própria.

D. Amando Balman
Dom Amando, OFM, descreve o início da missão da seguinte forma: “Em 1910 os três Padres Frei Crisóstomo Adams, Frei Luís Wand e Frei Hugo Mense subiram, com a bênção do Bispo de Santarém, o rio Tapajós, para entrarem em contato com os índios Munduruku. Foram felizes. Depois de uma viagem penosíssima de 62 dias, rio Tapajós acima, chegaram entre os índios que, com indizível alegria, receberam as “Filhas do Céu”. Como passaram os primeiros tempos e quantas peripécias tiveram, somente o bom Deus sabe!

Em 1920, os Padres mudaram a sede da Missão para o lugar chamado Terra Preta, na margem do Rio Cururu, onde foram edificadas as novas casas: residência para as Irmãs, residência para os Padres, uma capela espaçosa, casas para os índios cristãos e oficinas de trabalho.
Ir. Helena, Fr. João, D. Wilmar,
Ir. Gizele, Ir. Izaldete, Cândito
  [...] A língua dos Munduruku é bastante difícil, mas os padres já a dominam perfeitamente. Um catecismo, um livro de história sagrada estão impressos. Agora se trata da impressão de um dicionário e de uma gramática.

D. Amando, em sua Carta Pastoral, de 1932, nos informa minuciosamente: No ano de 1930, os Padres da Missão Cururu pregaram 294 sermões na línguas dos índios, administraram 87 batismos, 87 confirmações, 17 casamentos, 11.235 comunhões. Destas 39 eram primeiras comunhões, quer de crianças, quer de adultos. Na Missão existem 86 crianças. Destas estão internados, nos dois colégios, 17 meninos e 34 meninas. Foram distribuídos 1.528 remédios durante o ano de 1930. “A Missão se desenvolve muito bem e dá as melhores esperanças”.

Uma longa viagem até a aldeia São Francisco

É a primeira viagem do novo bispo de Itaituba, D. Frei Wilmar Santim, O.Carm., pelas aldeias mundurucu de sua diocese. Minuciosamente ele nos relata as peripécias da vida missionária dos franciscanos e franciscanas. Aqui um pequeno resumo.
  Dia 28 de Abril de 2011, saímos de Itaituba em direção a Jacareacanga (408 km) num micro-ônibus de 22 passageiros. Faziam parte do nosso grupo: o bispo Dom Frei Wilmar Santin, O.Carm., os frades franciscanos Frei Paixão, atual superior provincial da custódia São Benedito da Amazônia com sede em Santarem, os Freis João Schwieters, Messias, Raimundo, e as irmãs Helena e Gizele.
Aldeia S. Francisco

Chegamos em Jacareacanga pelas 21h. Em Jacareacanga trabalham as irmãs Izaldete e Mara. Elas tem feito um excelente trabalho pastoral. Sem presença permanente de frades, são elas que levam os trabalhos pastorais em frente.
Cedo saímos, no outro dia, de Jacareacanga subindo o rio Tapajós e desfrutando as belezas naturais. Pelas 9h passamos pela aldeia “Sai-cinza”, na margem esquerda do rio Tapajós. Anos atrás, um casal da Igreja Batista, vindo da Suíça, se fixou ali fundando uma missão. O casal sentia-se frustrado no trabalho missionário porque, mesmo depois de anos de trabalho, os índios continuavam querendo o batismo na Igreja Católica. Iam até Jacareacanga batizar os filhos com o “pain” (padre). Sobretudo a mulher, cujo nome é Edite Biere, dizia aos padres: “Não venham aqui fazer qualquer administração de sacramentos ou celebrar missa. Respeitem a nossa missão como nós respeitamos a vossa”. No entanto, ela era muito gentil quando os padres passavam pela aldeia, desde que não fizessem qualquer atividade religiosa. O casal criou seus filhos na aldeia. O marido já faleceu e a dona Edite está morando em Itaituba. Agora é o filho Aroldo quem toma conta da missão. Ele é muito amigo dos franciscanos. Sempre colocava o avião da missão à disposição dos padres e irmãs.

À tarde entramos no rio Cururu. Finalmente às 19h40 avistamos a aldeia São Francisco. Uma grande alegria tomou conta de nós porque a viagem estava terminando e estávamos muito cansados. Ao atracarmos vimos um grande número de luzes de lanternas vindo ao nosso encontro. Eram os Munduruku que estavam se aproximando. Vibravam, soltavam gritos e mostravam satisfação com a nossa chegada. Percebi que a maioria era muito jovem.
 

Dia 30 de abril de 2011 – Na aldeia São Francisco

O sábado, dia 30, foi um dia de descanso. Eu aproveitei para conversar e visitar os Munduruku. Conversei longamente com Frei Gilberto Wood. Ele está com 85 anos e há 21 anos trabalhando como missionário na aldeia. É americano e veio para o Brasil em 1954. Andou tendo uns acidentes e por isso teve que colocar pinos no quadril e nos joelhos. Mas continua firme e animado. Quer ficar ali até o fim da vida. Segundo ele, os Munduruku gostam muito de festa e quando festam, festam pra valer. Muitos vão trabalhar nos garimpos. Quando voltam, estão contaminados pelas ideias de prostituição, com doenças venéreas, bêbados e até mesmo voltam drogados.
A procissão
  Trabalham na aldeia também duas irmãs. A Ir. Conceição está com 74 anos e vive há 38 anos na missão. Nasceu em Soure, ilha de Marajó. É enfermeira. É um amor de pessoa, muito alegre, disposta e ama profundamente os Munduruku. Ir. Cláudia nasceu em Monte Alegre, PA, está com 37 anos e é religiosa há 13 anos. Está na aldeia há um ano e já fala bem a língua munduruku.

Já pela manhã saí fazer visitas. A Ir. Izaldete me acompanhou. O Frei Gilberto havia me dito que os Munduruku gostam muito de serem visitados. Em cada casa que visitei, constatei a veracidade de sua afirmação.

Antes do anoitecer vi que começaram aparecer Munduruku pintados, principalmente jovens. Perguntei sobre o porquê. Responderam porque no dia seguinte seria um dia de festa devido à abertura do Centenário e que é costume se pintarem quando há festa ou vão para a guerra.

Dia 1° de maio – Abertura do Centenário

A abertura do Centenário aconteceu na chamada Missão Velha, ou seja, na aldeia onde Frei Hugo Mense começou seu trabalho missionário com os Munduruku 100 anos atrás. Fomos com o barco da missão, que estava todo enfeitado. Ao descer do barco, fomos em procissão levando a imagem de São Francisco. Ao se aproximar da Missão Velha, vieram ao encontro os Munduruku desta aldeia. Os guerreiros estavam todos pintados e com arco e flecha. Na entrada da aldeia havia uma espécie de portal e depois duas filas de palmeiras colocadas para que a procissão passasse pelo meio. O cacique deu as boas-vindas a todos e em seguida perguntou: “Vocês estão vindo aqui para nos matar ou para fazer o bem e ajudar”?
  Frei João Gierse foi quem deu a resposta. Começou tocando flauta para recordar o pain Frei Hugo, que conquistou a simpatia e confiança dos Munduruku tocando flauta. Depois falou na língua munduruku que tínhamos vindo para dar continuidade ao trabalho do pain Hugo, que queríamos pregar a Palavra de Deus e ajudar. Para provar deu de presente ao capitão uma Bíblia em língua munduruku. Em seguida apresentou o bispo, o provincial, os frades e as irmãs.

na Missão velha
  O cacique disse que estava emocionado por receber os pain e as irmãs. Afirmou que nasceu ali e que aquela era a primeira aldeia munduruku porque até a chegada do pain Hugo eles estavam dispersos. Em seguida o cacique disse que os Munduruku são uns 7.000, mas há quem diga que são uns 11.000, e que há 111 aldeias. Recordou como o pain Frei Hugo reuniu os índios, que ele levou para a Alemanha um menino munduruku e que aldeia foi fundada em 1912. Afirmou: “Nós moramos aqui e vamos ficar aqui, porque aqui estão nossos netos, bisnetos. Nossos avós estão enterrados aqui e merecem nosso respeito e veneração”. Por fim insistiu para que os pain fizessem mais visitas à aldeia e que dessem uma bênção para a aldeia.
  Depois pediram para que eu desse uma bênção. Primeiro benzi uma bacia de água para no final poder fazer aspersão. Na bênção, pedi saúde para todos os Munduruku, pedi pra que Deus abençoasse os guerreiros, as crianças e as mulheres. Pedi a bênção da caça e pesca em abundância e que Deus concedesse bom tempo para que eles tivessem boas colheitas de mandioca, cará e frutas. Ao terminar a oração da bênção, fiz a aspersão da água sobre todos. Depois houve comes e bebes e nós retornamos à aldeia São Francisco.

Dia 02/05 – Assembleia: as hidrelétricas no rio Tapajós

Pe. Edilberto Sena, de Santarem, depois ajudado pela Ir. Helena Calderaro, fizeram uma exposição sobre as 5 (ou 7) hidrelétricas projetadas para a bacia do Tapajós e suas consequências para os Munduruku. Estavam presentes as lideranças, professores e alunos do ensino médio, mas havia também crianças e adolescentes. Como muitos, principalmente os mais velhos, não entendem bem o português, um munduruku chamado Carlos fez a tradução. De vez em quando um deles tomava a palavra e expressava aos outros seu ponto de vista sobre as preocupações com o desastre prometido pelo governo federal. Tomaram consciência de que as barragens vão prejudicar as fontes de alimento, pois dependem da pesca e da mata. Depois de um trabalho em grupos e um plenário, os Munduruku decidiram nunca aceitar as desgraças das hidrelétricas e impedir qualquer construção efetivamente. Ao final do dia, ficou combinado que quatro jovens escreveriam um manifesto a ser enviado às 105 aldeias.


Dia 03/05 – Reunião da Aliança Francisclariana

Após o café, reunião da Aliança Francisclariana na casa do pain. Estavam presentes todos os franciscanos e todas as irmãs que tinham participado da abertura do centenário. Também o bispo foi convidado para participar.

cultivando a Aliança
Após a oração inicial foi feita uma retrospectiva histórica da Aliança, que surgiu a partir do ano 2000, quando se começou a questionar a presença e a missão franciscana com os índios. Em 2002 foi feita uma avaliação junto aos índios. O CIMI ajudou na elaboração do questionário. Depois se começou a fazer assembleias anuais. O Pe. Paulo Suess ajudou nos primeiros anos. Na quarta assembleia decidiu-se que as asssembleias seriam de 2 em 2 anos.
Dois anos atrás a asssembleia foi em Jacareacanga e contou com a participação de alguns índios e da Dona Edite – a missionária batista da aldeia Sai-cinza – e do seu filho Aroldo.

RESUMINDO: esta viagem foi uma grande e rica experiência para mim. Ajudou-me a conhecer um pouco da realidade dos Munduruku e do trabalho desenvolvido pelos frades e pelas irmãs na missão que já dura 100 anos. Assumi o compromisso de visitar todas as aldeias e farei tudo para cumprir esta promessa. Quero pelo menos uma vez ver o rosto de cada Munduruku. Conversar com Frei Gilberto e com as irmãs foi um grande e esclarecedor aprendizado.
A viagem de 12 horas na voadeira foi cansativa, mas valeu a pena, não só pela possibilidade de desfrutar as belezas do Tapajós e Cururu e sim pela boa experiência de convivência entre nós.
O contato direto com os Munduruku fez-me admirá-los e me interessar por eles. Acredito que com futuras visitas vou amar mais este povo.
Enfim, só posso agradecer a Deus ter-me concedido a possibilidade de fazer esta experiência e conhecer esta realidade do rebanho a mim confiado.
D. Frei Wilmar Santin, bispo de Itaituba

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