A grande volta

Dia 21 de setembro 2010. Percorremos aldeias e acampamentos. Kurusu Ambá, município de Amambai, MS, na fronteira com Paraguai, e Apika'y - Curral do Arame, já perto de Dourados. Novamente a experiência do rio que sempre volta ao seu leito. Os Kaiowá Guarani do Mato Grosso Sul nos dão uma lição de perseverança, a lição da grande volta e da volta grande pelo asfalto, pela escravidão nas fazendas, pela catequização de pastores das mais diversas denominações religiosas e pelas usinas de alcool. Sempre voltam às suas origens, ao seu “teko”, que é lugar e jeito, onde está o seu futuro. A história de Kurusu Ambá é uma história de muitas e dolorosas voltas. Os índios falam em retomadas. Retomam da sociedade brasileira uma parte daquelas terras que lhes foram roubadas, uma parte mínima para a sua sobrevivência.

(Foto: CIMI/MS)
Kurusu Ambá, uma história de expulsão por pistoleiros, de despejos pela justiça, desintegração de posse em favor dos fazendeiros. Pelo empenho de sua organização, o Aty Guasu (Grande Encontro do Povo Guarani Kaiowá), pela lealdade constitucional do Ministério Público Federal e pela presença de grupos de solidariedade conseguiram, em abril 2010, que o juiz-desembargador Silvio concedeu 90 dias (que depois foram prolongados por mais 90 dias) para os encaminhamentos legais para a definição da terra indígena Kurusu Ambá. “Encaminhamentos legais” quer dizer, que um Grupo de Trabalho (GT) deve provar que a terra é desde tempos imemoriais dos índios e definir os limites territoriais. Às vezes, os pistoleiros das fazendas impedem o trabalho desse GT, às vezes (sobretudo neste tempo eleitoral) são ordens superiores da Casa Civil que exigem, por causa do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), uma desaceleração nas demarcações de terras indígenas. Nas aldeias indígenas, o PAC tornou-se PEPI, Programa de Extinção dos Povos Indígenas, flores de Alcapone.
Partindo da comunidade de Kurusu Ambá levamos Angélica com seus dois filhos pequenos, um deles muito doente, à Casa de Saúde em Amambai. Hoje de manhã (22.9.), Inocêncio, líder da comunidade, nos comunicou que a criança com seus três aninhos faleceu. Ainda ontem à noite, o corpo foi levado de volta à aldeia. A grande volta – nem para todos significa vida. Com voz indignada Inocêncio disse que essa morte é também consequência da falta de alimentação, porque há inconstância na entrega da cesta básica. “Na terra, onde estamos, somos proibidos de plantar. As crianças, quando não têm alimento, ficam fracas, pegam doença e morrem”, desabafa Inocêncio.
Apika'y - Curral do Arame. 18 de setembro de 2009, uma hora de madrugada, as casas dos 130 Kaiowá Guarani são assaltadas e incendiadas por 20 milícias dos fazendeiros. O procurador da República Marco Antonio Delfino de Almeida, do Ministério Público Federal (MPF) em Dourados (MS), instaurou inquérito para apurar a agressão sofrida por esses indígenas acampados às margens da BR-483 por mais de 6 anos no trecho que liga os municípios de Dourados e Ponta Porã. Eles reivindicam sua terra conhecida como Tekoha Jukeri'y ou Apika'y.

Histórico
Relatório antropológico elaborado pelo MPF revela que a expulsão dos índios de seus territórios intensificou-se a partir da década de 1950. Os guarani-kaiowá passaram então a ocupar áreas de fundo de fazenda, sendo definitivamente expulsos com a morte do líder Ilário de Souza, em dezembro de 1999, atropelado por um funcionário da fazenda onde estavam acampados.
A última tentativa do grupo de retornar à terra considerada sagrada (tekoha) ocorreu em 17 de junho de 2008. Mais uma vez reocuparam uma parcela do antigo tekoha, na Fazenda Serrana, ao redor da qual gravitavam. Nesta ocasião, eles mantiveram-se dentro da reserva legal de mata da fazenda, vigiados por uma empresa particular de segurança. A Funasa e Funai foram impedidas de prestar atendimento. O relatório aponta que "a difícil condição imposta aos índios resultou na morte de uma anciã, que acabou sendo sepultada na mata. A ocupação durou até cinco de abril de 2009, quando a justiça determinou a reintegração de posse em favor do fazendeiro". Desde então, o grupo está acampado à beira da rodovia.O relatório elaborado pelo Ministério Público Federal é enfático ao afirmar que "crianças, jovens, adultos e velhos se encontram submetidos a condições degradantes e que ferem a dignidade da pessoa humana. A situação por eles vivenciada é análoga à de um campo de refugiados. É como se fossem estrangeiros no seu próprio país".
Acesse YouTube "O Mbaraka contra a cana": http://www.youtube.com/watch?v=3qaWLAZh1cQ&feature=related
Fotos: E. Heck
Autores: P. Suess; E. Heck

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