"A Triste Partida" - Dia dos Migrantes - 20.6.2010

A migração é atravessada por todas as questões cadentes da nossa civilização. Temas como territorialidade, urbanização, agronegócio, modelo de desenvolvimento, trabalho, sociedade de classe, identidade são como fios que formam um nó quase impossível de se desfazer. O Documento de Aparecida lembra: “Um dos fenômenos mais importantes em nossos países é o processo de mobilidade humana, em sua dupla expressão de migração e itinerância, em que milhões de pessoas migram ou se veem forçadas a migrar dentro e fora de seus respectivos países” (DAp 73).[ver o texto de Paulo Suess "Identidade, migração, interculturação" em: Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana (REMHU) XVIII/34 (Janeiro/Junho 2010) 169-183.
Autor: Paulo Suess

Quem é Babau?

Visita a Babau e Givaldo na Penitenciária Federal de Segurança Máxima

Chegamos a Mossoró, cidade localizada numa faixa de transição entre o litoral e o sertão do Rio Grande do Norte, ao entardecer do dia 15 de junho. Tudo era festa, a seleção brasileira acabara de estrear na Copa do Mundo e vencera a Coréia do Norte. Parecia que todas as pessoas haviam saído às ruas, era uma multidão em verde-amarelo. Luciano (Luciano Ribeiro Falcão, jovem advogado de causas populares) e eu parecíamos dois estranhos no ninho: não havíamos assistido ao jogo do Brasil, não vestíamos verde-amarelo e nem trazíamos no rosto qualquer expressão festiva. Estávamos tomados pela ansiedade de no dia seguinte poder visitar os irmãos Babau e Givaldo, dois importantes guerreiros do Povo Tupinambá, vítimas de uma grande e bem montada trama persecutória, razão pela qual se encontravam aprisionados na Penitenciária Federal de Segurança Máxima, localizada a poucos quilômetros de Mossoró. Não encontrava justificativa para o fato de estarem cumprindo uma injusta prisão preventiva em um ambiente destinado a abrigar presos considerados de alta periculosidade.
AUTOR: Saulo Ferreira Feitosa
Brasília, junho de 2010.

Depois de audiência com Lula, PF prende irmã de Babau com filho de dois meses

A Polícia Federal prendeu na tarde do feriado de Corpus Christi, 3 de junho, a índia Glicéria Tupinambá e seu filho de apenas dois meses. Glicéria é liderança de seu povo e membro da Comissão Nacional de Política Indigenista – CNPI. Vinculada ao Ministério da Justiça, a CNPI tem entre seus integrantes representantes de 12 ministérios, 20 lideranças indígenas e dois representantes de entidades indigenistas. No dia anterior a sua prisão, Glicéria participou da reunião da CNPI com o Presidente Lula (ver a foto!), oportunidade em que denunciou as perseguições de que as lideranças Tupinambá têm sido vítimas por parte da Polícia Federal no Sul da Bahia.
No dia seguinte, quando tentava retornar para sua aldeia, Glicéria – tendo ao colo o seu bebê de dois meses – foi detida ao descer do avião, ainda na pista de pouso do aeroporto de Ilhéus (BA). Após ser interrogada durante toda a tarde na sede da Polícia Federal em Ilhéus, Glicéria recebeu voz de prisão da delega Denise ao deixar as dependências do órgão. Segundo informações ainda não confirmadas, a prisão foi decretada pelo juiz Antonio Hygino, da Comarca de Buerarema (BA), sob a alegação de Glicéria ter participado no sequestro de um veículo de uma empresa que presta serviço de energia na região. Mãe e filho foram transferidos para um presídio na cidade de Jequié, distante cerca de 200 km de sua aldeia. A seguir, trechos do relato de uma visita do assessor do Cimi, Saulo Ferreira Feitosa, aos irmãos de Glicéria, Babau e Givaldo, na prisão de segurança máxima no sertão do Rio Grande do Norte.

Criminalização de lideranças indígenas Babau na prisão de segurança máxima

Na madrugada da quarta-feira (10.3.2010), cinco policiais federais, fortemente armados, arrombaram a casa de Rosivaldo Ferreira da Silva, o cacique Babau, na comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro. Segundo seus familiares, no momento de sua prisão, Babau foi violentamente agredido e ameaçado de morte, na presença de sua esposa e do filho de 3 anos. A ação da PF aconteceu por volta das 2h40 da madrugada, no entanto os agentes só chegaram com Babau à delegacia de Ilhéus entre 6h30 e 7 horas da manhã.
Desde que a FUNAI iniciou o processo de demarcação da Terra Tupinambá as fazendas invasoras daquele território passaram a contratar pistoleiros e iniciaram campanhas difamatórias nas rádios e jornais locais, incitando a população regional contra os índios. Como consequência da disputa pela posse da terra os Tupinambá respondem a uma série de inquéritos e processos criminais patrocinados pela Polícia Federal, numa estratégia clara de criminalização de sua luta legítima em defesa de seu território tradicional. Em decorrência dessa ofensiva de criminalização já estão presos os indígenas Rosivaldo e seu irmão Givaldo e sua irmã Glicéria, além do bebê Erúthawâ, filho de Gicéria, com apenas dois meses de idade. Estranhamente nenhum fazendeiro ou pistoleiro foram processados pelas violências cometidas.

Criminalização de lideranças indígenas Babau na prisão de segurança máxima

Saudade de Pedro Yamaguchi Ferreira

Pedro, pedra de Davi,

missionário, testemunha,

maracá do Reino,

veleiro do Rio Negro

onde paz e tempestade

te abraçaram.


Sinal de solidariedade,

memória do cárcere,

dos injustiçados, furacão,

sino de esperança;

desde o mundo indígena

badalando indignação.


Pequeno irmão dos pobres,

apareceste entre os humanos

em tempo de vacas magras;

sonhaste vinho para todos

e pão consagrado, repartido -

como tua vida.


Posseiro do tempo,

romeiro sem lar;

trocaste a carreira de advogado

pela caminhada do peregrino,

o grito pela canção -

Quixote e Macunaíma.

Pedro, pedra preciosa,

raiz com asas;

na luta pela justiça

te fizestes pedra-caminho,

agitação divina,

dom, presente, Eucaristia.


Autor: Paulo Suess

PEDRO, ADVOGADO E MISSIONÁRIO (*11.03.1983 São Paulo +01.06.2010)

Trechos da Carta Circular de D. Edson Damian, Bispo de S. Gabriel da Cachoeira-AM
Pedro Fukuyei Yamaguchi Ferreira, 27 anos, filho de Paulo Teixeira Ferreira, deputado federal pelo PT-SP e da advogada Alice Yamaguchi Ferreira, chegou em São Gabriel da Cachoeira no dia 2 de março. [...] Veio trabalhar como assessor jurídico da diocese e servir aos Povos Indígenas que representam mais de 95% da população. No dia 1 de junho, perto do meio dia, Pedro foi banhar-se no Rio Negro e foi arrastado pela correnteza. Seu corpo foi encontrado 48hs depois em Tapereira, a mais de 40 quilômetros de São Gabriel. Morte trágica, inesperada, prematura. [...]
Quem era o Pedro? Recebeu o nome em homenagem a Dom Pedro Casaldáliga. Seus pais são membros da Fraternidade Secular de Charles de Foucuald, militantes nos movimentos sociais. Formou-se em direito pela PUC de São Paulo. Estagiou em grandes escritórios de advocacia, mas encontrou-se realmente durante os três anos em que atuou como assessor jurídico da Pastoral Carcerária.
Pedro era baixo. Os olhinhos japoneses, herança da mãe, o tornavam parecido com os Povos Indígenas. Como os índios das vinte e três etnias do Rio Negro se consideram parentes, Pedro já tinha sido adotado como parente deles. [...] No dia em que chegou em São Gabriel, no fim da tarde, viu um jogo de futebol atrás da escola, ao lado da casa do bispo. Vestiu sua roupa de esporte e dirigiu-se para lá. Logo foi convidado para entrar no jogo. Como perceberam que jogava bem o contrataram para jogar no time da Vila Boa Esperança.
No dia seguinte acompanhei-o na visita à cadeia. Passou a tarde conversando com cada presidiário. À noite relatou-me suas preocupações. Encontrou chefes de família retidos há muito tempo e o último júri popular havia acontecido há mais de cinco anos. Além disso, havia jovens envolvidos em pequenos delitos e uso de drogas. Não demorou para encontrar uma solução. Em comum acordo com a juíza sugeriu que cinco deles fossem contratados para trabalhar na reforma da cúria, iniciada há poucos dias. A proposta foi aceita. E dos cinco jovens, apenas um desistiu. Pedro foi a sua procura até encontrá-lo e motivá-lo para ingressar na Fazenda da Esperança.
Ele mesmo, em carta dirigida aos amigos, descreve o seu dia a dia: “[...] Tenho feito semanalmente visita ao presídio. Isso tem me possibilitado estender as visitas aos familiares e assim conheço a realidade da vida deles, um pouco da cultura e também a miséria que atinge a cidade, sobretudo aqueles que vêm das comunidades do interior [...]”.
Bastam estas palavras para perceber as lutas e os sonhos do Pedro. Ele ficava indignado quando ficava sabendo que advogados cobravam verdadeiras fortunas para defender pequenas causas. E as famílias pobres deviam desfazer-se da casa, do terreno, e outros bens indispensáveis para sobreviver [...].
A mãe Alice, após a Missa na Catedral de S. Paulo, ainda arrancou forças para dar este testemunho: “Quando soube que o Pedro tinha desaparecido no Rio Negro tive a sensação de que não resistiria diante de tamanha dor. Mas, na medida em que fui recebendo visitas, telefonemas, abraços de tantas pessoas amigas foi me reanimando e consolando. Percebi que meu filho era amado e tinha ajudado a muitas pessoas. Além disso, quem sou eu para me revoltar contra Deus? [...] Meu filho morreu feliz no meio do rio, da floresta, entre os Povos Indígenas.” [...]
Passei o dia 6 de junho com a família do Pedro em sua residência. Paulo e Alice, Caio, Ana, Manuela, Laís e Júlia. Entre lágrimas e risos, olhamos fotos, vimos imagens, escutamos canções que recordavam o Pedro, Pedrinho, Pedrão. Fizemos a memória da passagem meteórica do Pedro que soube amar e servir as pessoas e as grandes causas precursoras de “um novo céu e uma nova terra” (Ap 21). [...]
Pedro testemunhou que a vida não é um capital para ser acumulado, mas um dom de Deus para ser partilhado. [...]