O ano 2017 nos lembra, além centenário da Revolução
Russa (1917), de duas publicações que fizeram história. Faz 500 anos que Lutero
pregou 95 teses à porta da Igreja do Castelo de Wittenberg (Alemanha), e faz 150
anos que Marx publicou o primeiro volume do “Capital” com o título “Crítica da
economia política”. As “Teses”, de 1517, visavam à Reforma da Igreja Católica, o “Capital”, de 1867, à Revolução como emancipação da classe
operária.
Neste ensaio
por ocasião do momento jubilar das “Teses” e do “Capital” quero lembrar a vida sacrificada
das mulheres de seus autores, a vida de Catarina Lutero (1499-1552) e Jenny
Marx (1814-1881). A presença de Catarina e Jenny na vida de Lutero e Marx não
pode ser reduzida a enfeites secundários de uma causa maior. A causa maior, as
lutas por tolerância e diversidade, por justiça e igualdade, por emancipação e
participação andam mancando e são destinadas ao fracasso se não tiverem um
rosto feminino e masculino.
1. Catarina Lutero
Catarina nasceu em 29 de janeiro de 1499, em Zülsdorf, junto à Lippendorf, ao sul de Leipzig (Alemanha). Aos três anos de idade perdeu sua mãe e com cinco anos foi deixada numa escola de religiosas Beneditinas de Brehna. Com 16 anos, tornou-se religiosa num convento cisterciense de Nimbschen. Graças à passagem pela vida conventual, Catarina recebeu uma boa formação, aprendeu a ler e a escrever (um privilégio naquela época), apropriou-se do latim litúrgico, de saberes elementares da cozinha e costura, da medicina natural e da agricultura.
Em 1517, as Teses de Lutero começaram a agitar o país.
Em 1523, Catarina conseguiu fugir de sua clausura para Wittenberg, acompanhada
por um grupo de aventureiras corajosas. Algumas delas retornaram às suas
famílias, outras foram ajudadas por Lutero e seus amigos a se reencontrar no
mundo através de um trabalho e um casamento. Catarina ficou por dois anos como
doméstica na casa do pintor Lucas Cranach. A sina das mulheres da época era
essa: da tutela do pai às prendas domésticas e à obediência de um marido.
O ano de 1525 foi de grande convulsão social. Os
camponeses se revoltaram contra sua condição de vassalos de príncipes e nobres.
Depois do grande massacre dos camponeses em Frankenhausen, um dos seus líderes
ideológicos, Thomas Müntzer, pastor protestante e ex-aluno de Lutero, em
Mühlhausen, 27 de maio 1525, foi publicamente decapitado. No mesmo ano, o
reformador já se havia pronunciado “Contra as hordas salteadoras e assassinas
dos camponeses”. A libertação dos camponeses do jugo feudal fracassou, não sem
o apoio de Lutero.
Em 13 de junho de 1525, poucas semanas depois da
chacina dos camponeses, Lutero e Catarina se casaram - ela com 26 anos de idade
e por opção, ele com 42, empurrado pelos amigos. Ambos se formaram em conventos
e não estavam propriamente preparados para a vida conjugal. O monge Martinho
gostava de trabalhar no silêncio e, ao mesmo tempo, era detentor cortejado do
monopólio da palavra, no púlpito e na mesa. A monja Catarina, que escapou do
silêncio obrigatório dos cistercienses, gostava da prosa contínua. O início da
convivência não foi fácil.
O príncipe Johann da Saxônia, irmão de Frederico, o
Sábio, recém-falecido, que era o grande protetor de Lutero, doou ao casal o
mosteiro dos agostinianos de Wittenberg e suas dependências. Portanto, também
depois do casamento, Lutero estava em sua casa conventual, porém sem guardião e
ecônomo, como é costume nos conventos. Essa parte foi assumida por Catarina,
que transformou o convento em casa movimentada por amigos, viajantes e hóspedes,
e numa pensão para estudantes, que se tornou uma fonte de renda. Catarina, que
se assemelhou mais com a Martha do Evangelho do que com a Maria: “Ela lida com
carroças, prepara a terra, apascenta e guia o gado, faz cerveja etc. Entre uma
e outra atividade também começa a ler a Bíblia”. Dos axiomas do marido (ser
salvo “somente pela fé”, “somente pela graça”, “somente pela cruz de Cristo”) compreendeu
o essencial. Sua religiosidade estava mais próxima à fé das mulheres do povo do
que à compreensão dos teólogos. Para compreender a venda das indulgências como
obra do diabo não precisava de um estudo teológico aprofundado.
Da união de Lutero com Catarina nasceram seis filhos. Em
1529, com a morte da irmã de Lutero, o casal acolheu ainda as seis crianças
dela. O antigo convento dos agostinianos tornou-se também uma casa de trânsito
para a irmã morte. A primeira filha do casal, Elizabeth, morreu aos oito meses
de idade, e Madalena, a segunda, faleceu aos 13 anos. Repetidas vezes, Lutero
chamou Catarina de “estrela da manhã de Wittenberg”, já que diariamente ela se
levantava às quatro horas da madrugada, mas também porque se tornou luz em suas
noites escuras de depressão e, com o saber da medicina popular da época, enfermeira
de um marido com múltiplas doenças e superstições da época, indisciplinado no
trabalho e na comida. Ao ler o “Catecismo Menor” (1529), os sermões e a
correspondência daquele tempo, percebe-se como a experiência familiar
enriqueceu a vida cotidiana do Dr. Lutero.
Depois da morte do marido (1546), Catarina experimentou
o desamparo das viúvas bíblicas. Perdeu a segurança do lar, garantida pela
autoridade de Lutero e por seu salário da universidade, de 100 florins. Teve de
enfrentar processos jurídicos pela herança, presenciou lutas religiosas (“guerra
smalkaldiana”) e fugiu, com os filhos, da peste que devastava Wittenberg. A
caminho de Torgau, acidentou-se gravemente com sua carroça. Às feridas do
acidente juntou-se uma pneumonia. Dia 20 de dezembro de 1552 veio a falecer.
Numa carta a um amigo, Lutero teria escrito: “Minha
querida Cate me mantém jovem [...]. Sem ela, eu ficaria totalmente perdido. Ela
aceita de bom grado minhas viagens e, quando volto, está sempre me aguardando
com alegria. Cuida de mim nas minhas depressões e suporta meus acessos de
cólera. Ela me ajuda em meu trabalho, e acima de tudo, ama a Cristo. Depois
Dele, ela é o maior presente que Deus já me deu nesta vida. Se algum dia vierem
a escrever a história de tudo o que já tem acontecido (a Reforma), espero que o
nome dela apareça junto ao meu”. Catarina não foi a propulsora da Reforma, mas seu
sustentáculo.
2. Jenny Marx (1814-1881)
Jenny von Westphalen Marx nasceu, tal qual Catarina
von Bora Lutero, de uma família cujos membros foram um dia servidores da nobreza.
Jenny tinha dois anos quando seu pai foi transferido para Trier, onde assumiu
no governo distrital o cargo de um funcionário superior. O pai Heinrich, de Karl Marx,
era um “cristão novo”. Depois da presença napoleônica na Renânia (“Reino Real de
Westfalen”, 1807-1813), a Prússia se apropriou, em 1815, de muitas partes territoriais
da Renânia, e aboliu a legislação progressista de Napoleão. Assim, a região católica
de Trier foi governada pela Prússia luterana que não permitiu o exercício
profissional de Judeus na esfera do direito. Teria sido ainda um vento tardio
do antijudaísmo de Lutero? O jovem Heinrich Marx passou do judaísmo para o
protestantismo na cidade católica de Trier, onde se tornou um advogado
reconhecido. As famílias de Jenny e Karl tiveram contatos sociais nos círculos
esclarecidos de Trier, e foi Ludwig von Westphalen quem introduziu Jenny e Karl
nas ideias da Revolução Francesa. Marx dedicou sua tese doutoral ao futuro
sogro, Ludwig von Westphalen.
Jenny e Karl se conheciam desde os tempos de colégio. Marx
conquistou sua Jenny, que teve muitos pretendentes, com poemas de amor e
investiu nessa relação com ela por longos anos e até por um noivado clandestino
(1836).
Depois dos estudos de Karl em direito, filosofia,
história em Bonn e Berlim, e um doutorado em Jena (1841), e depois de uma
rápida passagem por Köln, como redator-chefe do jornal liberal “Rheinische
Zeitung”, Jenny e Karl se casaram no civil e religioso, em 19 de junho de 1843,
ela com 29 anos, ele com 25. Tiveram sete filhos, que nasceram em 1844
(Caroline), 1845 (Laura), Edgar (1847), Henry Edward Guy (1849), Francisca
(1851), Eleanor (1855), e o último, que morreu logo após seu nascimento, em
1857. Três chegaram à idade adulta. Duas das três filhas sobreviventes, Eleanor
(+1889) e Laura (+1911), se suicidaram.
Logo depois do casamento, Jenny e Karl se transferiram
para Paris, já que o jornal de Köln, onde Marx trabalhava, estava proibido
desde março daquele ano. Em Paris, onde Karl exercia um trabalho jornalístico,
nasce Caroline, sua primeira filha. De Paris, datam também as relações com
Engels, Bakunin, Heine e muitos outros. Contra os interesses de sua classe
social, Friedrich Engels tornou-se o esteio financeiro da família Marx em
períodos nos quais faltou comida para os filhos e dinheiro para pagar o
aluguel. O brilho intelectual de Marx não resplandeceu em sua situação
econômica.
Por intervenção do governo da Prússia, em 25 de
janeiro de 1845, o casal foi expulso da França e refugiou-se em Bruxelas. Os governantes
nobres da Prússia eram luteranos e antissocialistas. No exílio de Bruxelas, em 26
de setembro de 1845, nasce sua filha Laura e, em 3 de fevereiro de 1847, seu
filho Edgar. Em Bruxelas, em 1848, foi publicado o “Manifesto do Partido
Comunista”, escrito por Marx e Engels. Na única página do original que ainda existe,
as primeiras linhas mostram a letra de Jenny. Em 4 de março de 1848, o
“Manifesto” foi a razão da prisão e expulsão de Jenny e Karl de Bruxelas.
Jenny não foi um mero apêndice da fama de seu marido. Ela
transformou a letra de Karl, às vezes quase ilegível, num manuscrito publicável
e traduziu muitos dos seus textos para o francês, além de dominar o inglês. Várias
de suas resenhas do teatro londrino foram publicadas em Frankfurt. Esse tempo
de “secretária de Karl”, confessa Jenny, foi o tempo “mais feliz da minha
vida”. Sem a compreensão intelectual desses textos ela não poderia ter feito
esse trabalho de “tradutora”. A vida cotidiana em pobreza permanente, a
ausência do marido por causa de viagens e congressos, sua embriaguez, doenças e
a educação dos filhos representaram desafios na convivência familiar de Jenny
com seu parceiro. Na Páscoa de 1852 morreu Francisca, por causa de uma bronquite.
Na mesma noite, lembra Jenny em sua autobiografia, “nós nos deitamos no chão,
as três crianças vivas conosco, chorando pelo anjinho, que frio e pálido
descansou ao nosso lado. [...] Foi o tempo da nossa pobreza mais amarga”. Para
comprar um caixão, Jenny bateu em muitas portas e foi, finalmente, atendida por
um refugiado francês.
Desde sua passagem por Bruxelas, Jenny
trouxe da casa de sua família uma empregada doméstica, Helene Demuth, nove anos
mais jovem que ela, para ajudar em casa. Helene, que se tornou uma socialista
respeitada, acompanhou a família Marx em todas as suas peripécias. Em 23 de
junho de 1851, ela teve um filho com Marx, que para preservar a reputação do
pai, foi oficiosamente assumido por Engels, de quem também levou o nome:
Frederich Lewis Demuth (1851-1929). Freddy foi entregue para pais adotivos, em
Londres, logo após seu nascimento, e só depois de 111 anos sua identidade se
tornou pública. Wilhelm Liebknecht, que fazia parte do círculo londrino de
Marx, resumiu esse acontecimento com a frase lapidar: “Se diz, que diante do seu
camareiro ninguém é um grande homem. Diante de Lenchen (Helene), Marx
seguramente não foi”. A presença de Helene, depois do nascimento de Freddy, balançou,
mas não abalou, o companheirismo e o amor entre Karl e Jenny. Em sua
autobiografia, “Contornos de uma vida movimentada”, de 1865, Jenny caracteriza
os anos 1851 e 1852 como “os anos das maiores e, ao mesmo tempo, das mais
mesquinhas preocupações, tormentos, decepções e privações”. Mas, ainda 15 anos
depois do nascimento de Freddy, Karl escreveu a Jenny que estava de visita em
Trier, para ver sua mãe no leito da morte: “Quando você está longe, meu amor
para com você mostra-se como realmente é, como um gigante [...]. O amor [...]
não ao proletariado, mas o amor para com a namorada e particularmente para com
você, faz do homem novamente um homem”. Depois de 1851, a relação de Jenny com
Karl continua respeitosa, amável, não resignada. Seus ideais e seu amor
recíproco eram maiores que seus tropeços humanos. Jenny permaneceu amante da
vida e de seu Karl. Já com as marcas da morte no rosto, ela escreveu ao médico
Fernando Flecklers, em Carlsbad: “Gostaria de viver mais um pouco, meu querido
doutor. É engraçado: quanto mais próximo chegamos ao fim da nossa história, tanto
mais a gente fica amarrada neste `vale das lágrimas´” (29.09.1880). Jenny
esteve ao lado de Karl até o fim, e Karl ficou profundamente abalado com a sua
morte, falecendo um ano e meio depois de Jenny (14.03.1883).
3. Semelhanças e diferenças
biográficas
A lealdade ideológica com seus maridos, o
companheirismo familiar e a luta corajosa pela sobrevivência econômica
aproximam Catarina Lutero e Jenny Marx. Catarina, 16 anos mais jovem que
Lutero, já em condições estáveis, teve seis filhos, Jenny, em condições de
migrante permanente e quatro anos mais idosa que Karl, teve sete filhos. A
morte prematura perpassou as casas de ambas.
Na Igreja reformada, o prestígio de Lutero e a nobreza
protestante regional garantiram certo conforto material à vida familiar cotidiana
de Catarina e Martinho. Esta já não foi a situação de Jenny. A nobreza na mira
do “Capital” de Marx perseguiu o casal desde os primeiros artigos publicados
por Karl em Köln. O casal, que optou pela classe operaria, optou também pela
pobreza e pela existência de migrantes e imigrantes na própria vida. Dos “lúmpen” do Capital e da comunidade
revolucionária Karl e Jenny não esperavam privilégios.
Jenny e Karl se casaram apaixonados e sustentaram essa
paixão como amor maduro até o fim de sua vida. O casamento de Catarina com
Martinho era, no início, um casamento arranjado para Lutero, pois a Reforma entendia
o casamento, não como sacramento, mas como algo que faz parte da criação divina
e da vida humana. Porém, o casamento por motivo de coerência, com o próprio
pensamento de Lutero, se transformou em estima, reconhecimento e amor
incondicional de Martinho e Catarina.
Catarina e Jenny viveram na sombra e nos holofotes de
seus maridos. Catarina correu aos braços do homem famoso que anos antes tinha
publicado as “Teses”. Jenny acompanhou seu marido antes de escrever o “Capital”,
que lhes trouxe austeridade e inimizades. Ambas assumiram e entenderam os
axiomas fundamentais dos seus maridos e eram leais seguidoras, mesmo sendo pelas
restrições legais da época barradas de frequentar universidades e estudos
superiores. Neste ponto, Jenny tinha algumas vantagens, pela casa humanista em
que nasceu e pelos amigos que a família e a causa operária juntaram no decorrer
das suas fugas pelo mundo. De Catarina, praticamente nenhum escrito foi
guardado. De Jenny, dispomos de uma autobiografia e de uma ampla
correspondência. As amizades de Lutero eram mais restritas ao campo religioso.
Suas máximas em torno da fé, da graça e de Jesus só interessavam aos camponeses
e, provavelmente, também à classe operária na medida em que prometiam
emancipação da miséria e da fome, além de alguma forma de protagonismo
político. Esse já não foi o propósito de Lutero, que teve uma opção
interclassista.
Os autores das “Teses” e do “Capital”
não eram bons administradores de suas próprias economias e casas. Martinho e
Karl deixaram esse papel para suas esposas, o que era mais fácil na casa
estável de Lutero com um salário de 100 florins garantidos pela Universidade do
que na itinerância e imprevisibilidade de remunerações por textos publicados ou
de empréstimos de amigos.
Jenny e Catarina nos mostram que, para não reproduzir
os vícios de uma sociedade no interior das grandes causas da humanidade, é
preciso ampliar o território dessas causas defendidas, em nosso caso, por
Lutero e Marx. Também as causas nobres podem tornar-se apriscos, cercas e
muros. Nas reivindicações da fraternidade universal podem-se igualmente
reproduzir hierarquias e uma divisão de classe entre “senhores” e “servidores”.
Como socializar o gênio de uns com o não menos genial cuidado da sobrevivência
do “gênio sacrificial” e serviçal dos outros? De certo modo, de ambos se espera
que estejam dispostos a dar a vida pela causa de uma existência digna e
emancipada que defendem. A vida emancipada não será o resultado final de uma
luta, mas seu acompanhante em cada um de seus passos. A rigor, não é permitido
distinguir entre protagonistas de causas e seus servidores ou servidoras. As
causas realmente emancipadoras exigem a coincidência entre protagonista e
servidor. As Jennies e Caties são as asas dessas causas que não levantam voo
sem elas.
4. A Reforma continua,
a Revolução mal
começou
A Reforma de Lutero não rompeu com o
feudalismo medieval nem com certo autoritarismo patriarcal e fundamentalismo
bíblico. A consciência do indivíduo como última instância da ação, a
reivindicação de direitos subjetivos, a socialização da Bíblia entre letrados e
certo cuidado com a educação dos filhos, sejam meninos ou meninas, já
carregavam elementos da modernidade e da sociedade burguesa. Ao reconciliar-se
com a modernidade, a Igreja católica, hoje, incorporou reivindicações
essenciais da Reforma em seu universo institucional. Em todo caso, a Reforma
continua.
Para o epitáfio
de um memorial imaginário de Catarina e Jenny alguém propôs a seguinte frase:
“Sustentaram com sua vida a gratuidade dos bens celestes e a partilha
igualitária dos bens terrestres”. Entre a obra de Lutero e a de Marx existe uma
afinidade orgânica que se revela na proximidade daqueles seguidores que deram
sua vida pelas vítimas dos poderosos e, ao mesmo tempo, perpassa o pensamento
de ambos uma linha divisória irredutível, porque uns situam o reino do bem
viver exclusivamente na Terra, e os outros apenas seu início, porque consideram
que o reino do bem viver, em sua plenitude, não está ao alcance dos humanos.
Sabem que a luta pelo paraíso terrestre de todos não vai mais longe que um
sonho numa noite de verão ou de um aglomerado de fanáticos.
No epitáfio
acima falta algo essencial. Lutero, o reformador do tratado da graça, não
previu essa graça para todos. Em seus polêmicos pronunciamentos contra judeus e
camponeses mostrou que não abriu mão da penalidade do inferno da igreja nem do
poder punitivo e assassino dos príncipes. No dia 1 de fevereiro de 1546, poucas
semanas antes de sua morte, Lutero escreve de Eisleben à Catarina, sua esposa,
que ele ia cuidar em seus sermões da expulsão dos 50 judeus que ainda sobreviviam
em sua cidade natal e no mês de seu casamento com Catarina von Bora se
posicionou ao lado dos príncipes contra os camponeses revoltados. O
antijudaísmo do reformador, certamente, foi uma herança do seu passado católico
e de sua socialização agostiniana.
Quem exclui as
categorias “Céu” e “Inferno” do seu discurso sobre a realidade social, como
Marx, pode cantar com Heinrich Heine: “O Céu deixamos para os anjos e os
pardais”. Mas ele desqualifica o imaginário e a esperança como fatores atuantes
sobre a realidade e não se livra do monopólio da punição pelo Estado, mesmo de
direito constitucional, que limita o exercício da liberdade e privilegia a
classe dos legisladores. A questão da gratuidade dos bens celestes e da
partilha igualitária dos bens terrestres para com todos permanece uma questão
aberta que nem cadeias, confessionários ou “guerras santas” podem solucionar. Já
promessa de justiça e misericórdia divinas sem limites podem atuar em nossas
realidades históricas conflitivas não como algo mágico, mas como motor e freio.
No campo religioso, grosso modo, os combatentes de
então, hoje abrem mão de suas hostilidades, abraçam seus adversários num
ecumenismo emergencial e assumem com reciprocidade piedosa pontos de vista
essenciais do outro. A fuga dos rebanhos e a opção pelos pobres, secularização
e relativismo, fundamentalismo e integralismo impõem a católicos e evangélicos
históricos a sincronização de suas agendas. As “Teses” perderam seus dentes.
Impressionante a coragem dessas mulheres, especialmente naquela época, ao assumirem destinos incertos e pouco seguros, nos diferentes aspectos familiares, sociais e econômicos..
ResponderExcluirE ambas foram fortes, corajosas e companheiras abnegadas, fortalecendo as lutas dos maridos, ao lado dos mesmos, em todas as vicissitudes. Que belas histórias de vidas fundamentadas na generosidade, no altruísmo, na lealdade e e companheirismo.