O Espírito Santo é força divina e dom.
Ele está no início de todas as caminhadas que geram vida. Crer no Espírito
Santo significa crer no Senhor que dá a vida (Credo de Constantinopla I, 381).
Ele é aquele “Espírito de Deus” que no princípio do tempo e do mundo “pairava
sobre as águas” (Gn 1,2). No PRINCÍPIO eram o Verbo e o Espírito. Ambos são
inseparáveis. Um é caminho e o outro é guia, juntos ao Deus Pai, criador do
mundo.
A mesma unidade trinitária, que estava na origem da
criação, está na origem da recriação do mundo, na encarnação. Maria concebeu
seu filho Jesus, Palavra de Deus, redentora do mundo, pela força do Espírito
Santo. E esse mesmo Espírito está no início da missão de Jesus de Nazaré. Nele,
o filho do carpinteiro de Nazaré foi confirmado “Filho bem-amado” de Deus, por
ocasião de seu batismo no Jordão (Lc 3,22). Nele foi ungido Messias e fez o
discernimento decisivo de sua vida sobre a finalidade de sua missão: “Ele me
ungiu para evangelizar os pobres” (Lc 4,18). No mesmo Espírito, na festa de
Pentecostes, a Igreja começa “a falar em outras línguas” (At 2,4) e inicia a
sua missão, revestida “da força do Alto” (Lc 24,49).
a)
Pentecostes
Na festa de
Pentecostes, festa do dom da Lei para os judeus e para os cristãos, festa do
dom do novo mandamento, o testemunho da futura Igreja rompe as barreiras
lingüísticas e étnicas, e a “Lei de Cristo” (Gl 6,2) começa a ser anunciada a
todos os povos. E esse anúncio das maravilhas de Deus na língua dos outros povos
acontece pela força do Espírito. Nele, judeus e gentios são chamados a se
tornarem povo de Deus, povo da Nova Aliança (cf. At 15,14). Nesse evento
pentecostal, a unidade plural no Espírito Santo supera a confusão e dispersão
de Babel (Gn 11,1-9) e os discípulos e as discípulas são convocados e enviados
como testemunhas da ressurreição de Jesus e servos e servas do Reino de Deus.
Pentecostes é a festa pascal que está no início da missão.
A fundação
da Igreja, por princípio, quer dizer, desde o início, missionária, na festa de
Pentecostes, festa da convocação e do envio, estrutura a trajetória universal
do anúncio do Evangelho da Graça. Universalidade dos horizontes e concretude
dos conflitos, contextualidade, pluralidade das formas nas Igrejas locais e
gratuidade dos modos de salvação ligam ação e anúncio missionários de maneira
especial ao Espírito Santo. Em Pentecostes, a Igreja é concebida pelo Espírito
Santo. Ele “acompanha e dirige” (AG 4) os atos dos apóstolos, dos discípulos e
das discípulas sem cessar.
Os Atos
dos Apóstolos são o livro da missão realizada sob o protagonismo do Espírito
Santo. Pentecostes continua na missão dos apóstolos. “Lucas coloca vários
Pentecostes sucessivos: em Jerusalém (At 2; 4,25-31), na Samaria (At 8,14-17),
aquele que inicia a aventura missionária com Cornélio e o evento de Cesaréia
(At 10,44-48; 11,15-17) e até o episódio de Éfeso (At 19,1-6)” (CONGAR, p. 69).
O Espírito do alto converte Pedro e a Igreja de Jerusalém da estreiteza
étnico-religiosa para o horizonte amplo da humanidade e dos confins do mundo.
Sob iniciativa do Espírito acontece o batismo dos primeiros gentios e a
primeira missão na diáspora judaica, em Antioquia. A manifestação do Espírito
produziu uma profunda conversão na liderança de Pedro e nas atitudes das
comunidades judaicas (cf. At 10; 13,2; 15). Foi o Espírito Santo que fez a
jovem Igreja se lembrar de que são “os doentes que precisam do médico e não os
sãos” (Lc 5,31) e que o “Filho do homem veio procurar e salvar o que estava
perdido” (Lc 19,10) e não para manter os salvos.
b) Espírito da Verdade
O Espírito Santo é o “Espírito da Verdade” (Jo
14,17) que fala em muitas línguas, mas “não fala de si mesmo” (Jo 16,13). Este
Espírito faz a comunidade de Jerusalém compreender que sua missão não é cuidar
de si mesma. A comunidade aprende do Espírito que a sua missão está no
despojamento e no descentramento voltado para a unidade com outras comunidades
e povos. O Espírito da Verdade sabe articular o plural e as diferenças numa
unidade maior, sem hegemonias isoladas, e sabe despojar-se dos e nos sinais de
mediação. A diferença étnica e o plural cultural não afetam a verdade. O
Espírito da Verdade pode ser experimentado na água do batismo e no fogo da
sarça ardente, no óleo da unção messiânica e na luz de uma consciência nova, no
imaginário da pomba palpável e da nuvem distante. “Despojamento”,
“descentramento” e “apagamento” (cf. CatIC n. 694, 687) permitem transformar uma comunidade de manutenção
numa comunidade missionária que procura comunicar-se com os outros, os pobres,
os sofredores e os perdidos.
O Espírito Santo é Espírito da Verdade, não por
causa de uma doutrina certa, uma lei perfeita ou uma moral superior, mas porque
nele acontece a verdade na geração da vida: na prática do novo mandamento (Jo
13,34) e da justiça maior em favor dos pobres. Na raiz da pobreza está o “pai
da mentira”, o diabo, que perturba a ordem social – “aquele que acusava nossos
irmãos dia e noite” (Ap 12,10). O Espírito Santo é o Paráclito, o “consolador”,
o “intercessor” e o “advogado” dos pobres (cf. DEV 3b).
Na “Sequência de Pentecostes”, o Espírito Santo é
invocado não apenas como aquele que “dobra o que é rígido”, mas também como “pai dos pobres”. Não se
trata de um pai abstrato, sem rosto. Com os pobres, que nele se tornam nossos
irmãos e irmãs, ele nos introduz nos grandes conflitos da humanidade e ao Reino
dos Céus (cf. Mt 5,3; Lc 6,20). Por causa desta proximidade dos pobres, o
Espírito é, realmente, Espírito da Verdade, que vem do Pai e dá testemunho de
Jesus. Ao conduzir os discípulos aos pobres, ele conduzirá os discípulos no
caminho da “verdade plena” (Jo 16,13; cf. 15,26) e no caminho da “vida plena”,
no caminho do Reino. A manifestação divina da verdade acontece na pobreza que
garante o incógnito. Ao envolver a Igreja, através dos pobres, nas grandes
causas da humanidade, a “opção pelos pobres” só faz sentido no próprio
empobrecimento, capaz de transformar a missão aos pobres numa missão entre pobres.
A missão exige mais que abrir mão de bens materiais; exige,
sobretudo, abrir mão de tradições, até de tradições salvíficas, mas disfuncionais
e, portanto, fardos dispensáveis, diante de um novo contexto histórico e
cultural. A ação salvífica de Deus – antigamente denominada “salvação das
almas” – ultrapassa todo exclusivismo e esoterismo dos sinais salvíficos de
judeus e de cristãos. Isso não desvaloriza esses sinais, mas os redimensiona
diante da possibilidade cultural das pessoas concretas e os relativiza diante
do poder de Deus. Nessa flexibilidade – não nos conteúdos, mas diante das
práticas corporativistas e da padronização de uma roupagem cultural única –, o
Espírito Santo permanece Espírito da Verdade e se revela na missão como
protagonista do Evangelho da Graça (cf. RM 21b). Ele dinamiza esse Evangelho e
se faz presente em todas as formas de doação da vida: no diálogo paciente, na
presença silenciosa, no testemunho, na contemplação e na ação, na caridade, na
misericórdia e na justiça. Tudo que sustenta a esperança num mundo em desespero
é desdobramento da Boa-Nova sustentada pelo Espírito.
c) Gratuidade
O Espírito Santo, pai dos pobres e protagonista da
missão, é dom divino e doador dos dons. O dom realmente importante é o amor (1Co 13), que gera unidade e gratuidade. As
três formas do agir de Deus são, segundo Santo Agostinho, criar (a humanidade e o cosmo), gerar
(o Filho de Deus) e doar (Espírito
Santo). O Espírito Santo é Deus no gesto do Dom (AGOSTINHO, liv. XV, 29).
Na gratuidade e na unidade do Espírito Santo, que
se concretizam na missão, se manifesta a resistência contra a lógica de
custo-benefício, que divide a humanidade, e contra formas burocráticas do agir
eclesial. A Igreja, com suas instâncias institucionais, não precisa ter medo do
Espírito Santo. O movimento pentecostal e a renovação carismática são, antes de
representarem uma ameaça, uma advertência para equilibrar a dinâmica
trinitária. O perigo da Igreja não está na sua redução numérica, mas numa
mesquinhez crescente. Gratuidade e unidade no Espírito Santo significam
continuidade, ruptura e mobilização, alegria e espontaneidade. “É gratuitamente que fostes salvos, por meio da fé. Isto não provém de
nossos méritos, mas é puro dom de Deus” (Ef 2,8s).
A
gratuidade garante a continuidade da história de salvação. Ela está presente nas diferentes etapas de início da vida
como dom e graça. Por isso, de modo particular, está ligado aos sacramentos de
iniciação que são sacramentos da caminhada, ao batismo, à confirmação e à
Eucaristia. Ao religar e refazer esses inícios, ao
completar a criação pela recapitulação, o Espírito Santo mostra a face de Deus
através de gestos significativos de continuidade e ruptura, de despojamento e
inovação, como princípio dinâmico na história de salvação. A gratuidade, que, simbolicamente,
celebramos na “ação de graça”, na Eucaristia, é a condição da não-violência
e da paz no mundo. A gratuidade aponta para a possibilidade de um mundo para
todos. O Espírito que é dom, graça e gratuidade, o Espírito que dá vida, vive
no Verbo encarnado, na Palavra cumprida. Ele, que é a vida do Verbo, vive
também conosco na Palavra de Deus cumprida na fidelidade à missão.
Impressionante a explanação, perfeitamente inteligível, principalmente considerando a complexidade do tema.
ResponderExcluirO coração, a mente e os sentidos conseguem captar a riqueza do mistério, até onde permite nossa limitação humana, graças à inspiração privilegiada de nosso professor, ao partilhar generosamente conosco suas experiências existenciais.