Mariana Rodrigues e Michel Faustino
Antes de entrar na Assembleia, um grupo de 50 índios Guarani Kaiowá fizerm uma reza em forma de dança (Foto: Gerson Walber) |
O ato ecumênico em favor dos povos Guarani Kaiowá realizado nesta
quarta-feira (7), na Assembleia Legislativa, reúne 30 movimentos sociais e 15
instituições religiosas do Brasil e América Latina, e uma da Holanda. O grupo
defende o cancelamento da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Cimi
(Conselho Missionário Indigenista), que investiga a atuação do Conselho em
possíveis incitações dos conflitos indígenas no estado e são favoráveis a
criação da CPI do Genocídio que apure as mortes e violência cometida contra
comunidades indígenas em Mato Grosso do Sul.
Ao todo, cerca de 300 índios de sete comunidades indígenas de Dourados
foram até a Assembleia para participar do ato ecumênico. Antes de entrar na
Assembleia, 50 índios Guarani Kaiowá fizeram uma dança que representa um tipo
de reza, uma forma simbólica de manifestação contra a Assembleia devido a
criação da CPI que investiga o Cimi.
O evento que acontece no Plenarinho da Assembleia conta com a presença
de cinco policiais militares motorizados. Os indígenas que chegaram
ornamentados foram revistados e tiveram que deixar na entrada da Casa, alguns
objetos que eles usam, como arcos, flechas chocalhos, lança e qualquer outro
objeto pontiagudo, mesmo criando um pequeno tumulto na entrada, o ato segue
tranquilo. De acordo com a segurança, o procedimento é de praxe.
Lindomar Terena, cacique da aldeia Mãe Terra de Miranda Coordenador executivo da Apib (Foto: Gerson Walber) |
Lindomar Terena, que é cacique da aldeia Mãe Terra de Miranda e
coordenador executivo da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil),
comentou que a presença dos indígenas é para se manifestar contrários a forma
que a Assembleia vem intervindo na vida dos povos indígenas. Para ele a Casa
está sendo omissa e fugindo do seu papel que é resolver a insegurança jurídica
no Estado. "Vemos que eles estão tomando um lado com a criação da CPI do
Cimi, que é uma instituição que tem lutado em prol dos povos indígenas",
comenta ele ao lembrar que a luta dos índios tem mais de 500 anos.
O cacique diz ainda que repudia a atitude dos deputados que colocam o
Cimi como sendo um manipulador dos povos indígenas. Para ele, a CPI não vai
levar a lugar nenhum e sim acirrar a disputa no Estado ocasionando insegurança
aos indígenas. Ele cobra uma atitude quanto ao fundo de investimentos de áreas
de terras, criado para restituir indenização dos produtores. "Na verdade,
o que eles deveriam discutir é o por que não se está investindo nesse fundo,
não está angariando recursos para resolver a demarcação de terras, pagar os
produtores e garantir que os indígenas tenham suas terras e ao invés disso
ficam esperando o Governo Federal", acrescenta.
https://youtu.be/LeRaJoBF2fs
https://youtu.be/LeRaJoBF2fs
A seguir, o pronunciamento de D. Roque, presidente do Cimi, durante o
Ato Ecumênico em Campo Grande (07/10/2015):
D. Roque Paloschi, presidente do Cimi |
A CPI do Cimi me lembra
de uma novela do grande escritor austríaco, Franz Werfel, perseguido pelos
nazistas e expulso de sua terra por causa de sua origem étnica. O título dessa
novela, que poderia servir também para os cenários, nos quais se encontram os
povos indígenas, aqui no MS, é: “Não o assassino, os assassinados são
culpados”.
Ler mais:
- Os culpados não são os
paramilitares e não os fazendeiros organizados em milícias armadas que,
segundo Elizeu Lopes, liderança guarani kaiowá, entre agosto e setembro deste
ano provocaram mais de dez ataques contra as Terras Indígenas Ñanderú
Marangatú, Guyra Kamby´i (TI Panambi-Lagoa Rica), Pyelito Kue (TI Iguatemipegua
I) e Potreiro Guasu.
Os culpados são os Guarani Kaiowá.
- Os culpados do assassinato do líder Guarani Kaiowá Semião Vilhalva não
são os fazendeiros organizados em milícias armadas;
= nem são eles os
culpados nos ferimentos causados por tiros com armas de fogo contra três
indígenas;
= nem são eles os
culpados pelas feridas por balas de borracha;
= nem são eles os culpados
pelo espancamento de dezenas de indígenas;
= nem são eles os
culpados pelo estupro coletivo contra uma mulher Guarani Kaiowá, segundo
denúncias que nos chegaram da respectiva região.
Os culpados são os Guarani Kaiowá.
- Os culpados nos mais de 580 indígenas que cometeram suicídio e nos 390
assassinatos de Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, nos últimos 12 anos, não
são os paramilitares nem os fazendeiros organizados em milícias armadas, nem a
ala ruralista que lucra com as terras indígenas incorporadas nos seus
latifúndios.
Os culpados são os próprios Guarani
Kaiowá.
Mas por vários motivos
não convém aos inimigos dos povos indígenas atacar, diretamente, os Guarani
Kaiowá, porque gozam certo prestígio na opinião pública mundial. O próprio
Elizeu Lopes está chegando neste momento de viagem do exterior onde encontrou
mais apoio do que em sua própria terra. Se encontrou com organismos
internacionais em defesa dos direitos humanos e denunciou a omissão do próprio
estado brasileiro, do poder Legislativo, Judiciário e Executivo face aos povos
indígenas.
Pela inconveniência de
atacar os Guarani Kaiowá à luz do dia, seus inimigos os atacam na calada da
noite. À luz do dia atacam seus aliados, em concreto, o Cimi, através de uma
CPI que em vez de Comissão Parlamentar de Inquérito melhor seria chamada de
CDF, Comissão de Despistamento dos Fatos. Essa CPI/CDF se dirige contra os
Guarani Kaiowá e todos os seus aliados, contra os movimentos populares do
campo, Comunidades Eclesiais de Base ecumenicamente organizados e contra as
Pastorais Sociais. Agradeço como presidente do Cimi a solidariedade que
recebemos por defender a causa dos povos indígenas. Nos 3.800 km (via BR-174)
desta longa viagem que fiz de Boa Vista/RR para Campo Grande/MS, pensei: “Qual
poderá ser, além do horizonte simbólico, o significado e a contribuição
concreta dessa viagem”?
Provavelmente todos,
que estamos aqui, pensamos algo semelhante sobre o alcance concreto da nossa
presença nesse ato ecumênico e, amanhã, da visita às comunidades indígenas. O
que podemos fazer para transformar a lei do mais forte em “justiça mínima” nos
territórios guarani kaiowá? Os diferentes credos não impedem de unir-nos, de
somar gritos, denúncias e forças. Mas falta, talvez, algo mais decisivo nesta
situação em que “o sistema, sustentado pelos poderes Legislativo, Judiciário,
Executivo e os canhões do grande capital e do agronegócio, procura encaminhar
os povos indígenas para a solução final de extermínio” (XXI Assembleia do Cimi). Em todo Brasil, os povos indígenas estão
rodeados pelo latifúndio e pelas Propostas de Emenda à Constituição (PEC). Uma
das mais perigosas é a PEC 215, que transfere do Executivo para o Legislativo a
prerrogativa de demarcar terras tradicionais indígenas, titular terras
quilombolas e criar unidades de conservação ambiental. Esta PEC atende
explicitamente aos interesses da bancada ruralista e do agronegócio. As PECs
são subterfúgios para desmontar as conquistas da Constituição Federal de 1988.
Um desses subterfúgios
é também o chamado “marco temporal”, pelo qual só poderiam ser atendidos
reivindicações territoriais dos índios, que até a data da Constituição de 1988
foram disputadas por eles. Mas, até essa data, os índios foram tutelados e não
podiam entrar em juízo para reivindicar suas terras. Por isso os Guarani Kaiowá
retomaram a partir do 22 de agosto de 2015, quase a totalidade de áreas
invadidas por fazendeiros e localizadas dentro dos limites da terra indígena,
já homologada. O governo federal não pagou as indenizações para os ocupantes e
os efeitos do decreto de homologação foram suspensos pela Justiça em setembro
de 2005. Logo depois dessa retomada vieram os policiais do Departamento de
Operações de Fronteira (DOF) e dispararam tiros para assustar os índios. Mas os
índios decidiram não recuar.
Os fatos são
conhecidos, os assassinatos contabilizados, os cenários localizados, os gritos
ouvidos, as imagens sobre as extremas crueldades são divulgadas, os mandantes
dos assassinatos são soltos, um ou outro dos seus capangas está preso, os
culpados são apontados. Talvez não pela grande imprensa, mas por vias
alternativas, os fatos romperam as fronteiras da clandestinidade e chegaram em
algumas das nossas comunidades. Precisamos sacudir essas nossas comunidades e
socorrer aos índios com mais eficácia!
Amanhã, por exemplo,
quando estaremos nas comunidades indígenas Apykai e Guayra Kamby´i - o que
vamos dizer aos sobreviventes da família do cacique Nísio Gomes, que no
acampamento Guaviry (MS), em 2011, foi assassinado à queima-roupa, jogado numa
caçamba de caminhonete e nunca se soube para onde foi levado seu corpo?
Nosso ex-secretário do
Cimi, Antônio Brand, em sua tese de doutorado, descreveu com profundidade como
os Guarani Kaiowá, por causa da qualidade de suas terras e de sua mão de obra
foram permanentemente submetidas a ondas de colonização e confinamento em
territórios cada vez menores. Os estrangulamentos dos suicídios não seriam uma
consequência dos confinamentos territoriais?
Se não se tratasse
nessas CPIs de um jogo com cartas marcadas, poderíamos nos empenhar na
realização de CPIs sérias, verdadeiras, sem fins eleitorais. Por exemplo, uma
CPI sobre o confinamento histórico dos Guarani Kaiowá em condomínios que não
garantem seu sustento e que daria razão a suas reivindicações.
CPI do Cimi como trampolim para a prefeitural
Poderíamos
também solicitar uma CPI sobre o financiamento da última campanha eleitoral da
dentista e deputada estadual do Partido Trabalhista do Brasil (PT do B), Mara
Caseiro, proponente da CPI do Cimi e, no dia 30 de setembro, eleita presidente
dessa CPI que lhe muito convém. No dia 2 de outubro, Mara Caseiro aproveitou o
último dia do prazo permitido para trocar de domicílio eleitoral para mudar seu
título para Campo Grande, onde vai concorrer à prefeitura da Capital nas
eleições do ano que vem. É óbvio, que a CPI do Cimi não tem por objetivo, como
o documento de convocação reza, de investigar, se a entidade “incitou ou
financiou invasões de propriedades particulares em Mato Grosso do Sul”. O
verdadeiro objetivo da deputada é de se servir da CPI de trampolim para criar
visibilidade para sua “pré-candidatura” à prefeitura de Campo Grande.
Este é o contexto em
que somos convocados para exercer nossa vocação profética. Se nós nos calamos,
“as pedras gritarão” (Lc 19,40)!
Os Guarani Kaiowá foram
caçados e escravizados
- pelos Bandeirantes,
- colonizados pela Cia. Matte Laranjeiras que se apropriou de suas
terras para o plantio da erva de Matte,
- pelo Serviço de Proteção aos Índios,
- pelos governos militares e, finalmente,
- pelos governos democráticos de hoje, estes, por sua vez, colonizados
pelo grande capital.
Os Guarani Kaiowá são
sobreviventes “que vêm da grande aflição” (Apc 7,14). Resistem com bordunas,
maracás e com a inspiração da Palavra de Ñanderú.
Bordunas, arcos e flechas,
hoje, não tem muita serventia para enfrentar os jagunços do agronegócio. Mas a
Palavra de Ñanderú, ela fez da sobrevivência desses índios não uma
probabilidade, mas uma certeza.
Uma dessas
sobreviventes Guarani, marcada por rugas de luto, luta e fome, perguntada,
porque justo agora estão retomando as suas terras, num momento em que as forças
são tão desiguais, respondeu: “Ñanderú mandou dizer: está na hora”.
Como bem falou D. Roque Paloschi, a CPI do CIMI significa oportunidade exemplar, para que o mundo todo saiba das atrocidades cometidas contra os indefesos povos indígenas - especialmente do Mato Grosso do Sul, onde a violência dos ruralistas e seus aliados políticos, estão envergonhando a Nação e as pessoas de bem.
ResponderExcluirPara erradicar essa violência institucionalizada, que denigre o País e seus governantes, perante a comunidade internacional - o Governo Federal deveria decretar Intervenção no Estado do Mato Grosso do Sul e garantir o julgamento e punição exemplar, de todos mandantes e executores dos crimes contra os indígenas!