A inclusão social na América Latina
Patrus Ananias
A amplitude do tema e
os limites do tempo impedem-me de trabalhar a inclusão social no contexto mais
largo, profundo e complexo da nossa América Latina.
Atenho-me, neste
encontro, à realidade brasileira, cujas especificidades conheço melhor. Mas
ouso afirmar que existem identidades e desafios compartilhados entre o Brasil e
os países irmãos latino-americanos.
Partilhamos em nossas
histórias uma enorme dívida social que tem raízes profundas na violência contra
os índios, na escravidão dos negros, na fortíssima concentração da terra e das
riquezas, na ausência de políticas públicas de inclusão e de desenvolvimento
social, na subordinação aos interesses do grande capital e de nações econômica
e militarmente mais poderosas.
Os meus estudos sobre a
História do Brasil e a minha militância política e social levaram-me ao governo
de Belo Horizonte – capital do estado de Minas Gerais e centro da terceira
maior região metropolitana do Brasil, ao Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome, no governo do presidente Lula da Silva, e ao Ministério do
Desenvolvimento Agrário, no governo da presidente Dilma Rousseff.
Vou fixar-me no
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, que implantamos em
janeiro de 2004 e que liderei por mais de seis anos.
Mostramos neste
trabalho, ao Brasil e ao mundo, que é possível implementar, com eficácia,
políticas públicas que favoreçam os mais pobres.
Deixo claro que as
políticas públicas e as obras que realizamos a favor da emancipação dos mais
pobres não substituem as mudanças profundas e estruturantes apontadas pela
Doutrina Social da Igreja e que encontram, a meu ver, elevada tradução na
Encíclica Populorum Progressio de Paulo VI que comemora este ano os seus
cinquenta anos:
“… a propriedade
privada não constitui para ninguém um direito incondicional e absoluto (…) “o
direito de propriedade nunca deve exercer-se em detrimento do bem comum,
segundo a doutrina tradicional dos Padres da Igreja e dos grandes teólogos”.
Surgindo algum conflito “entre os direitos privados e adquiridos e as
exigências comunitárias”, é ao poder público que pertence “resolvê-los, com a
participação ativa das pessoas e dos grupos sociais”. (…) O bem comum exige por
vezes a expropriação, se certos domínios formam obstáculos à prosperidade
coletiva, pelo fato de sua extensão, da sua exploração nula ou fraca, da
miséria que daí resulta para as populações, do prejuízo considerável causado
aos interesses do país”.
A Encíclica Populorum
Progressio marca tão forte presença na tradição cristã que já inspirou duas
encíclicas sociais posteriores que sobre ela se debruçam: “Sollicitudo Rei
Socialis” de João Paulo II, publicada em 1987, e a “ Caritas in Veritate” do
Papa Bento XVI, publicada em 2009.
O Papa Francisco
mantém, aprofunda e atualiza o grande legado da tradição cristã católica com a
encíclica “Laudato Si” – sobre o cuidado da casa comum.
“Hoje, crentes e não
crentes estão de acordo que a terra é, essencialmente, uma herança comum, cujos
frutos devem beneficiar a todos. Para os crentes, isto se torna uma questão de
fidelidade ao Criador, porque Deus criou o mundo para todos. Por conseguinte,
toda abordagem ecológica deve integrar uma perspectiva social que tenha em
conta os direitos fundamentais dos mais desfavorecidos.
O princípio da
subordinação da propriedade privada ao destino universal dos bens e,
consequentemente, o direito universal ao seu uso é uma “regra de ouro” do
comportamento social e o “primeiro princípio de toda a ordem ético-social”. A
tradição cristã nunca reconheceu como absoluto ou intocável o direito à
propriedade privada, e salientou a função social de qualquer forma de
propriedade privada”.
Enquanto procuramos pôr
em prática esses ensinamentos fundamentais para uma saudável convivência
humana, considero necessário que as pessoas, as famílias e as comunidades
tenham acesso aos direitos básicos (alimentação, por exemplo) para que assim
possam se organizar e lutar por conquistas sociais mais alargadas.
Movidos por esses sentimentos
e compromissos implantamos no Brasil as políticas públicas vinculadas ao
Programa Fome Zero, destinado a erradicar a fome e assegurar a todas as pessoas
o direito à alimentação saudável, à segurança alimentar e nutricional.
Este é um direito
fundamental, condição primeira para o exercício dos direitos e deveres da
cidadania, que encontra vigoroso amparo na tradição cristã a partir da oração
que Jesus nos ensinou e da multiplicação dos pães e dos peixes – narrativa
presente nos textos dos quatro evangelistas.
O Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome teve como referência de suas ações o
Programa Bolsa Família, que garantiu renda mensal a 13 milhões de famílias,
cerca de 50 milhões de pessoas carentes integramos ao Bolsa Família, na perspectiva
do Fome Zero, outras políticas públicas de assistência social e segurança
alimentar, incluídas políticas de apoio ao desenvolvimento da agricultura
familiar.
Conseguimos reduzir
significativamente a pobreza no Brasil retiramos 30 milhões de pessoas da
extrema pobreza; em 2014 a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura retirou o Brasil do Mapa da Fome.
Além de executarmos as ações articuladas em torno dos programas Fome Zero e Bolsa Família, combatemos a pobreza com programas de universalização do abastecimento de energia elétrica – Luz para Todos; de construção de moradias – Minha Casa, Minha Vida; de ampliação da assistência médica às famílias.
Além de executarmos as ações articuladas em torno dos programas Fome Zero e Bolsa Família, combatemos a pobreza com programas de universalização do abastecimento de energia elétrica – Luz para Todos; de construção de moradias – Minha Casa, Minha Vida; de ampliação da assistência médica às famílias.
Somamos a isso
importantes investimentos na Educação, abrindo as portas das universidades aos
jovens pobres, no desenvolvimento territorial e no apoio a comunidades
tradicionais, como as comunidades indígenas e quilombolas, formadas estas por
remanescentes da escravidão.
Hoje vivemos no Brasil
um deplorável retrocesso das conquistas sociais alcançadas nos últimos anos. As
facções políticas que tomaram o poder há 18 meses estão impondo ao Brasil, sob
a ideologia do neoliberalismo e dos interesses do grande capital, um projeto de
desmonte de direitos sociais e da própria soberania nacional.
Sob as luzes do
magistério social da Igreja e da esplêndida liderança do Papa Francisco,
concluo reafirmando nosso compromisso com a justiça social, o bem comum e a
dignidade, sem exclusões, de cada um e de todos os seres humanos. Afinal, somos
depositários da mensagem d`Aquele que disse: “vim para que todos tenham vida e
a tenham em plenitude”.
[O autor é professor, advogado, deputado
federal, fonte: Boletim Rede de Cristãos,
Ano XXVI, Dez. de 2017, n. 300. O texto reproduz a palestra do autor
apresentada num encontro convocado pelo Celam, em Bogotá, no início de Dez.
2017]
Assinar:
Postagens (Atom)