Madre Teresa, religiosa conhecida por
sua obra de caridade favelas da Índia, foi canonizada durante a manhã de
domingo, 4 de setembro de 2016 no Vaticano. A cerimônia, celebrada pelo papa
Francisco, foi acompanhada por uma multidão de 120 mil pessoas diante da
Basílica de São Pedro.
Leonardo Boff
Tudo é político, mas o político não é
tudo. Há outras dimensões na vida que merecem a nossa atenção e que nos levam a
refletir sobre a condição humana, mesmo de pessoas que consideramos santas.Quero me referir à noite escura que a recém canonizada Madre
Teresa de Calcultá viveu e sofreu desde 1948 até a sua morte em 1997. Temos os
testemunhos recolhidos pelo postulador de sua causa, o canadense Brian
Kolodiejchuk num livro Come Be My Light (Venha, seja a minha luz).
Como é notório, Madre Teresa vivia em
Calcutá recolhendo moribundos das ruas para que morressem humanamente dentro de
uma casa e cercados de pessoas. Fazia-o com extremo carinho e completa
abnegação. Tudo indicava que o fazia a partir de uma profunda experiência de
Deus.
Qual não é a nossa surpresa, quando
viemos saber de seu profundo desamparo interior, verdadeira noite sem estrelas
e sem esperança de um sol nascente. Essa paixão dolorosa durou por quase 50
anos até a sua morte. Já em agosto de 1959 escrevia a um de seus diretores
espirituais:”Em minha própria alma sinto uma dor terrível. Sinto que Deus não
me quer, que Deus não é Deus e que Ele verdadeiramente não existe”.
Numa outra ocasião escreveu:”Há tanta
contradição em minha alma: um profundo anelo de Deus, tão profundo que me faz
mal; um sofrimento contínuo e com ele o sentimento de não ser querida por Deus,
rejeitada, vazia, sem fé, sem amor, sem cuidado; o céu não significa nada para
mim, parece-me um lugar vazio”.
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Canonização na Praça de São Pedtro |
Sabemos que muitos místicos
testemuham esta experiência de obscuridade. Constatamo-lo em São João da Cruz,
em Santa Teresa D’Avila, em Santa Teresa de Lisieux, entre outros. Esta última,
tão meiga e expressão da mística das coisas cotidianas, escreveu em seu Diário
de uma Alma:” Não creio na vida eterna; parece-me que depois desta vida mortal,
não existe nada: tudo desapareceu para mim, não me resta senão o amor”.
Conhecida é a noite escura de São
João da Cruz, tão bem expressa em seu poema “La noche oscura”. Ele distingue
duas noites escuras: uma, a noite dos sentidos pela qual a alma vive sem
consolos espirituais e numa severa secura interior. A outra é a noite do
espírito “oscura y terrible” na qual a alma já não consegue crer em Deus, chega
a duvidar de sua existência e se sente condenada ao inferno.
Especialmente a modernidade, centrada
em si mesma e perdida dentro imenso aparato tecnológico que criou, vive também
esta ausência de Deus que Nietzsche qualificou como “a morte de Deus”. Não que
Deus tenha morrido, porque então ele não seria Deus. Mas é o fato de que nós o
matamos, vale dizer: ele não é mais um centro de referência e de sentido.
Vivemos errantes, sós e sem esperança.
Dietrich Bonhöffer, teólogo mártir do
nazismo, captou esta experiência, aconselhando-nos a viver “como se Deus não
existisse” (etsi Deus non daretur). Mas vivendo no amor, no serviço aos demais
e no cultivo da solidariedade e do cuidado essencial. Pois esses são os valores
sob os quais Deus se esconde. Quem os vive, mesmo sem o saber, está em Deus.
Suspeitamos que Jesus conheceu esta
noite terrível. No Jardim das Oliveiras sentiu-se tão só e angustiado que
chegou a suar sangue, expressão suprema do pavor. No alto da cruz, grita ao
céu:”Pai, por que me abandonaste?” Não obstante essa ausência de Deus, se
entrega confiante: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito”. Despojou-se de
tudo. A resposta veio na forma da ressurreição como a plenitude da vida.

Simone Weil, a judia que, na última
guerra, se converteu ao cristianismo mas não se deixou batizar em solidariedade
a seus irmãos condenados às câmaras de gás, nos dá uma pista de compreensão
sobre onde encontrar Deus mesmo no meio da mais absoluta escuridão como aquela
de Madre Teresa e de tantos homens e mulheres espirituais que vem um tormento
interior: “Se quiseres saber se alguém crê de Deus, não repare como fala de
Deus mas como fala do mundo”, se fala na forma da solidariedade, do amor e da
compaixão. Deus não pode ser encontrado fora destes valores. Quem os vive está
na direção dele e junto dele mesmo que o negue.
Madre Teresa de Calcutá, em sua noite
escura, mas cheia de amor aos moribundos, estava em comunhão com o Deus
abscôndito. Agora que já se transfigurou viverá em plena luz e saboreará a
presença de Deus face a face na mais profunda intimidade e na comunhão sem fim.
Leonardo Boff é teólogo e articulista
do JB on line